20.9.06

Vôo United 93

United 93, de Paul Greengrass, EUA, 2006 - Lumière

Os atentados de 11 de Setembro de 2001 são indiscutivelmente o evento mais midiatizado da história da humanidade, passando a fazer parte de nosso imaginário coletivo em tempo recorde. As imagens dos aviões colidindo contra o World Trade Center, do Pentágono em chamas e das torres sucumbindo sob seu próprio peso foram transmitidas em tempo real para todo o planeta – evento-símbolo do alcance sem precedentes da imagem na pós-modernidade – e foram reexibidas à exaustão desde então, como se a humanidade, acostumada a confiar na autonomia da significação totalizante da imagem, buscasse inutilmente um significado, uma explicação, uma resposta na repetição daquelas imagens para algo que lhe foge completamente à compreensão.
De todos os eventos daquele fatídico dia, um porém acabou por não possuir uma imagem vinculada a ele: a queda do vôo 93 da United Airlines, supostamente derrubado pelos passageiros antes que atingisse seu alvo. Por não possuir registro visual, passou a ocupar o espaço do mito, construído a partir de relatos orais de um evento sem testemunhas. Dessa forma, partindo do mesmo princípio das atualidades reconstituídas do primeiro cinema (onde a única maneira de se registrar eventos como grandes batalhas ou catástrofes naturais – impossíveis de serem registradas in loco devido à sua imprevisibilidade – era reconstituí-los para as câmeras), o diretor Paul Greengrass optou em sua versão dos fatos por um registro documental, recriando a posteriori as imagens necessárias para se preencher o vazio deixado por sua ausência.
Pode-se questionar a chave na qual Greengrass optou por trabalhar os eventos de 11 de Setembro, mas não se pode questionar seus resultados: Vôo United 93 é um thriller arrebatador, uma obra de fôlego que deixa o espectador no limite da tensão durante toda a projeção e o coloca no único lugar de onde ele ainda não havia visto essa história – do lado de dentro.
Não há no retrato daqueles personagens, sejam seqüestradores ou seqüestrados, nenhum traço individualizante ou psicologizante. Greengrass não busca explicações, motivações ou contextualizações para o que ocorreu, mas apenas reproduzir o ocorrido da forma mais fidedigna possível, de modo que o espectador se sinta como se estivesse lá, vivendo a experiência em toda a sua intensidade. E nisso o diretor é extremamente bem sucedido: a tensão é construída habilmente por uma câmera nervosa, claustrofóbica, por uma trilha sonora utilizada com sobriedade e de maneira precisa, pela utilização de jargões técnicos que fazem com que o espectador se sinta perdido e desorientado (assim como perdidos e desorientados estavam os envolvidos naquele evento). Até mesmo o conhecimento prévio do espectador é utilizado para aumentar a tensão, fazendo com que ele aguarde ansiosamente pelo próximo fato na cadeia de eventos daquele dia.
No 11 de Setembro visto por Greengrass não há lugar para o heroísmo nem tampouco para uma luta entre o bem e o mal. Há apenas a perplexidade diante do impossível tornado real e do ser humano reduzido aos seus instintos mais primitivos: a necessidade de sobrevivência e de se acreditar em algo superior, como nos mostra com precisão a cena que funde as preces de seqüestrados e seqüestradores. Ao final, somos deixados no escuro: não há significado ou explicação possíveis, apenas a constatação do peso esmagador daquelas imagens.

15.9.06

Abismo do Medo

The Descent, de Neil Marshall, Reino Unido, 2005 - Cabine

Os filmes de terror, por se reportarem diretamente a uma de nossas emoções mais primitivas (o medo), colocam-se como um desafio para a análise crítica a partir do momento que, quando bem realizados, extrapolam a lógica e atuam diretamente no irracional do espectador. Quando não se tem repertório suficiente no gênero (como admito ser meu caso) para discutir como determinado exemplar se relaciona a seus cânones e princípios, ficamos reduzidos às sensações causadas pela obra e como nos relacionamos a elas. Nesse sentido, Abismo do Medo é extremamente bem sucedido no que se propõe, construindo um clima distante dos filmes americanos de massacre ou os terrores orientais sobrenaturais a que estamos habituados no circuito brasileiro.
Abismo do Medo parte de uma premissa relativamente simples: seis amigas se unem numa expedição para explorar cavernas nos EUA e acabam presas em uma delas, onde estranhos acontecimentos começam a vitimá-las uma a uma (expor o enredo mais do que isso seria negar ao leitor o prazer do filme). A partir disso, o diretor britânico Neil Marshall constrói um drama de horror sufocante, que se equilibra eficientemente entre o terror psicológico e o físico (o filme não economiza no gore quando necessário) e que habilmente deixa o espectador no limite da tensão durante toda a projeção.
O filme é econômico na apresentação de suas personagens (reduzindo a psicologia e individualidade das seis amigas ao mínimo necessário para o desenvolvimento da história) e no estabelecimento das relações que iremos acompanhar. Uma vez dentro das cavernas, é aí que suas armas são mostradas. Presas sob a superfície, e precisando se esgueirar por uma rede de túneis cada vez mais estreitos em busca de uma saída, o grupo é submetido a situações extremas, que vão minando a confiança e a sanidade daquelas amigas.
Marshall atua diretamente da percepção do espectador, trabalhando luzes, sombras e, principalmente, ruídos de forma primorosa, estabelecendo um clima de tensão crescente que, ao transformar o escuro da sala de cinema em uma continuação da escuridão da caverna, joga o espectador para dentro daquele ambiente sem que nenhuma resistência seja possível.
Fotografado em um claustrofóbico cinemascope, com uma edição de som e imagem prodigiosa e utilizando com precisão o limiar do enquadramento como espaço para a projeção de nossos temores, Neil Marshall constrói com Abismo do Medo um filme que – se peca em alguns momentos na utilização de algumas sub-tramas desnecessárias e pelo excesso na transformação das pacatas amigas em verdadeiras Ripleys redivivas (além de Alien, o filme faz referências a outros clássicos como Apocalypse Now, Drácula e O Iluminado, entre outros) – consegue deixar o espectador à flor da pele durante toda a sua duração. Se for escolher um único filme de terror para ver em 2006, que seja Abismo do Medo.

14.9.06

Casseta & Planeta - Seus Problemas Acabaram

Casseta & Planeta - Seus Problemas Acabaram, de José Lavigne - Brasil, 2006 - Cabine

Em 2003, chegava às telas de cinema Casseta & Planeta – A Taça do Mundo é Nossa, uma aposta alta da Globo Filmes em um dos produtos mais populares de sua grade de programação. A resposta do público derrubou as expectativas: apesar de ter feito 690 mil espectadores, A Taça do Mundo é Nossa apresentou o pior resultado nos últimos 10 anos para um filme brasileiro lançado em mais de 200 salas. A conclusão óbvia a partir de tal dado seria a de que o espectador não estaria disposto a pagar para assistir algo que pode ver semanalmente de graça em sua sala de estar.
Óbvia talvez, mas não para a Globo Filmes, que concluiu exatamente o oposto: o primeiro longa do grupo teria se afastado da série de TV e, com isso, havia perdido a empatia com o público. Por isso hoje, três anos depois, somos convidados mais uma vez pela publicidade maciça a pagar o ingresso para ver Casseta & Planeta – Seus Problemas Acabaram. Neste segundo longa da série, a trupe de comediantes se aproximou ainda mais da estrutura de seu programa humorístico, resgatando inclusive muitos de seus personagens fixos. Entretanto, ao buscar se aproximar desse formato original do programa semanal, seu grande diferencial – a resposta rápida e ácida aos acontecimentos do meio político ou dos próprios programas da Rede Globo – acabou sendo deixado de lado, pela impossibilidade que a própria estrutura de um longa-metragem impõe à sua transposição para a película. Por mais que se agilize sua produção, o período de gestação de um filme entre o desenvolvimento do roteiro e sua estréia nos cinemas é de vários meses, o que deixaria qualquer piada vinculada ao cotidiano datada até o momento em que chegasse ao espectador.
Com isso, o que vemos ao longo do filme é uma série de esquetes calcadas em piadas simplistas que, se já funcionaram no anarquismo do primeiro período do grupo, hoje, institucionalizado, já não se sustentam por si só. Fica a sensação de estarmos vendo mais do mesmo, porém sem os bons momentos da série de TV. Junte-se a isso uma produção propositadamente grosseira e óbvia e temos o que o crítico Ricardo Calil classificou precisamente como uma “superprodução tosca”.
Se como obra cinematográfica Seus Problemas Acabaram resvala a nulidade, como produto mercadológico o filme apresenta alguns pontos que, se poderiam passar despercebidos num primeiro momento, ao serem analisados com mais atenção deixam transparecer um claro posicionamento da Globo Filmes diante do atual cenário da produção audiovisual brasileira. De todos os alvos escolhidos pelos comediantes para despejarem seu humor cáustico, um em particular se repete algumas vezes ao longo do filme, da cena de abertura aos créditos finais, e, com isso, assemelha-se mais a uma crítica realizada pela própria Globo do que a mais uma avacalhação dos Cassetas. O alvo? O cinema brasileiro contemporâneo e sua atual estrutura de produção.
É sobre como esse novo filme da série Casseta & Planeta ironiza o cinema brasileiro e sobre essa relação contraditória e esquizofrênica entre a Globo Filmes e o atual sistema de financiamento da produção audiovisual no Brasil de que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a análise do filme em:

8.9.06

O Que Você Faria?

El Método, de Marcelo Piñeyro, Argentina/Espanha, 2005 - Lumière

Oito atores, cenários e figurinos mínimos, praticamente uma única locação. Com apenas esses poucos recursos, Marcelo Piñeyro (diretor argentino de sucessos como Kamchatka e Plata Quemada) realiza em O Que Você Faria? um retrato cruel e preciso da cultura corporativa e da competição selvagem causada pelo capitalismo globalizante. Em uma dinâmica de grupo com sete candidatos a uma vaga de alto escalão surgem as mais diversas reações e relações entre os personagens, um verdadeiro estudo do comportamento humano quando submetido a situações de tensão extrema.
Tema semelhante perpassa também O Corte, mais recente filme de Costa-Gavras que passou pelo circuito nacional há alguns meses. É justamente sobre as semelhanças e diferenças entre esses dois filmes e, conseqüentemente, entre as visões dos diretores sobre esse assunto e a forma – estética e narrativa – com que trabalham seus respectivos cinemas de que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a análise comparativa entre O Que Você Faria? e O Corte em:

4.9.06

Lei do Curta

Às vésperas do início do Festival Internacional de Curtas-Metragens de São Paulo, o Ministério Público enviou à Agência Nacional do Cinema uma recomendação para que ela volte a regulamentar, num prazo de 90 dias, a antiga Lei do Curta, legislação de 1975 que obrigava as salas de cinema a exibirem, antes de cada sessão de filme estrangeiro, um curta-metragem nacional.
Trata-se de uma possibilidade extremamente interessante para um segmento que realiza mais de 200 filmes por ano (considerando-se apenas aqueles produzidos em 35mm) e que hoje é vítima de uma quase invisibilidade, tendo sua difusão restrita a festivais e mostras específicas para o formato. Apesar disso, os interesses econômicos já começaram a se manifestar, com declarações veementemente contrárias à lei por parte das grandes redes exibidoras.
É sobre essa lei que busca agora voltar à pauta e sobre a polêmica gerada em torno dela de que trato no artigo recém-publicado na Cinética.
Leia o artigo em: