17.2.06

Ponto Final - Match Point

Match Point, de Woody Allen, Reino Unido, 2005 - Cabine

Se, como muitos dizem, um Woody Allen ruim é melhor do que a maioria dos filmes que aportam por aqui, o que dizer de um ótimo Woody Allen? E o que esperar então quando um dos diretores mais prolíficos da atualidade (41 filmes – incluindo três feitos para TV – em 40 anos de carreira) não apenas rompe com a expectativa do espectador (ópera no lugar de jazz, Londres onde antes era Nova York, drama quando muitos esperavam uma comédia leve), mas a utiliza ao longo do filme para nos surpreender? Uma obra genial de um diretor idem.
Com Ponto Final, Allen trabalha uma vez mais com uma questão que perpassa toda sua obra, dos filmes mais cômicos aos mais dramáticos, mas cuja forma neste caso remete mais especificamente a um de seus melhore filmes, Crimes e Pecados: a visão niilista de mundo do diretor. Woody Allen, ateu por excelência (como esquecer a sua busca, hilária e infrutífera, por uma religião em Hannah e Suas Irmãs), sempre questionou a falta de um princípio moral no ser humano, e não à toa o roteiro deste seu mais recente filme deve muito a Dostoievski e seu Crime e Castigo, sendo a obra inclusive citada explicitamente.
Diferentemente da maioria de seus filmes, não há em Ponto Final um personagem alleniano (seja ele interpretado pelo próprio diretor ou por um dos atores que assumem seu alter-ego, como Jason Biggs em Igual a Tudo na Vida) e nem é o humor, embora continue presente neste filme em uma forma mais sutil que de costume, sua chave principal. Para aqueles que apreciam as neuroses e ironias do ator Woody Allen, ele faz falta na tela, embora Allen sobre na direção, precisa e suave, guiando não apenas o filme mas também o espectador com a mesma maestria que um exímio jogador de tênis domina uma partida.
E é uma bola de tênis congelada no ar, no exato instante em que, após tocar a rede, segue indefinida sobre em qual lado cairá (imagem essa que será ecoada quase no fim do filme, em um momento definitivo tanto para a trama quanto para seu personagem principal) que ilustra a premissa principal de Allen, lançada pelo protagonista logo no início do filme: “é preferível ter sorte a ser bom”.
Pois Chris Wilton (Jonathan Rhys-Meyers), o Raskolnikov – protagonista de Crime e Castigo – menos perturbado de Allen, conhece bem o papel da sorte em sua vida: após ser contratado como treinador de tênis em um clube da elite londrina, conhece Tom Hewtt (Matthew Goode) e por ele é apresentado à aristocracia londrina e à sua irmã, Chloe (Emily Mortimer), com quem inicia um relacionamento que termina em casamento, e que lhe abre as portas nas empresas do pai de Tom e Chloe. Mas como nem tudo vem de graça, mesmo para aqueles que nasceram com sorte, Chris terá que optar entre o elevado estilo de vida que conquistou para si, que inclui um maravilhoso loft com vista para o Tamisa, e a luxúria, (muito bem) representada no filme por Nola Rice (Scarlett Johansson, única atriz americana no filme e que domina todas as cenas em que aparece com sua beleza fulgurante), noiva de Tom e aspirante a atriz, com quem inicia um caso.
Woody Allen conduz essa rede de relacionamentos, sentimentos e desencontros amorosos com a maestria que lhe é peculiar. Nesse sentido, Ponto Final é tudo o que Closer, de Mike Nichols, queria ser e não conseguiu. Mas Allen vai além. O diretor diverte-se (e ao espectador) com as várias facetas de seus personagens (em um mundo onde não há Deus e o homem não se mostra um ser moral, não há bem ou mal, certo ou errado), com as possibilidades do acaso em suas vidas, jogando a eles a responsabilidade sobre seus atos, mas isentando-os, por vezes, de suas conseqüências. As viradas do roteiro (e o final do filme é repleto delas) são engenhosas, e utilizam-se de nosso próprio conhecimento prévio da obra do cineasta para nos enganar. Quando acreditamos saber o que acontecerá – “pois é isso que Woody Allen faria!” –, o diretor nos surpreende e inverte nossa expectativa, prendendo nossa atenção ao longo de toda a projeção (pouco mais de duas horas, o mais longo filme do diretor até o momento).
Ponto Final é uma pequena maravilha e já pode ser saudado como um dos pontos altos na carreira de um diretor repleto de grandes filmes no currículo. Com ele, Allen dá um xeque-mate em seus detratores, que não mais acreditavam na capacidade do diretor em surpreender e entregar belíssimas obras. Se a vida é uma partida de tênis, a sorte está do lado de Woody Allen.

7 Comments:

Blogger Ailton Monteiro said...

Leonardo, já que vc citou os filmes para tv do Woody Allen, vc chegou a ver aquele DON'T DRINK THE WATER? Tenho muita curiosidade de ver esse filme e ninguém se propõe a lançar por aqui.

27/2/06 22:26  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Não consegui ver esse filme ainda, Ailton, mas ele tem uma história interessante, pq trata-se de uma peça escrita pelo próprio Allen e que em 1969 foi adaptada para o cinema pelo diretor Howard Morris (que trabalhava basicamente com séries de TV). Allen achou a adaptação tão ruim que resolveu fazer sua própria versão em 1994 com esse telefilme.

Como ele foi lançado em DVD há alguns anos nos EUA, deve estar disponível na Net...

28/2/06 16:07  
Blogger Fábio Gonçalves said...

Adorei o filme!

Narrativa absolutamente precisa, com uma "linha do tempo" um tanto curiosa...

As viradas na sorte do nosso protagonista deixam a história deliciosamente surpreendente. Um filme leve mas não vazio - ótimo para uma terça-feira de cinzas! :)

1/3/06 18:02  
Anonymous Anônimo said...

Woody Allen é um gênio!

3/3/06 09:06  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Hehehe, Bianca e seu lobby pela canonização de Woody Allen...

3/3/06 09:34  
Blogger Eugênio Hertz said...

Concordo com o fábio... so fiquei confuso com sua indicacao a melhor filme para uma terca feira de cinzas.

todos sabemos que é QUARTA feita de cinzas, mas pra alguem q bebeu tanto no carnaval, facilmente uma terça-pre vira uma terça de cinzas.

nao sei se ele acha q é melhor ver o filme quando estiver bem bebado...

...............

mas enfim, esperei mais. um finalzinho onde scarlet, que nem uma porcaria de peitinho soube mostrar (a julgar as lombras de
allen, um peitinho seria apenas
um peitinho, e nao um "mero instrumento de imposicao da cultura americana" ou similar), e ainda aparece no final dizendo que ele se usou de um plano q deixa brechas, que ele vai ser pego...

No fim algum mano brown da vida pega a aliança, e a policia o exclui dos suspeitos.

Ser bom realmente nao compensa, ou se compensar, talvez vc tenha q ser duplamente mal com quem nao faz o bem...

Ou é isso ou o "crime compensa".


Pra mim, dispensavel. Aos bebedores de vinho e adoradores da judy garland no CHATO-DE-DOER "a noviça rebelde", podem pegar pra vcs.

27/11/08 00:55  
Blogger Vanessa Prazeres said...

Parabéns, sua resenha captou a aura do filme, digo isso pois acabo de assisti-lo e é assim mesmo: começa despretencioso e engenuo mas vai crescendo em engenhosidade. E o final? é genial.

25/1/09 18:08  

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