11.5.06

A Concepção

A Concepção, de José Eduardo Belmonte, Brasil,2005 - Cabine

Quando o plano piloto de Brasília foi concebido por Lúcio Costa no final da década de 50, a cidade tinha um objetivo claro: ser um espaço ordenado e prático para tornar-se o “cérebro das altas decisões nacionais”, segundo o próprio Juscelino Kubitscheck. Chegou-se a um tal nível de detalhes em seu planejamento a ponto de se estipular o modelo e cor dos táxis que deveriam circular na capital federal e orientações quanto ao paisagismo dos cemitérios a serem construídos.
Entretanto, em meio a tal preciosismo, uma variável dessa equação acabou sendo menosprezada na construção da cidade: seus habitantes. Brasília se mostrou um espaço contraditoriamente claustrofóbico e asfixiante, principalmente para os jovens que lá nasceram ou para lá foram em função de cargos públicos de seus pais. A reação dessa juventude não tardou a aparecer, indo do surgimento de bandas inicialmente punks como Legião Urbana, Capital Inicial e Plebe Rude nos anos 80 (representantes da primeira geração de jovens nascidos em Brasília) aos jovens ricos e entediados que ficaram famosos por seus atos de vandalismo (como no caso do índio Pataxó incendiado vivo em 1997). Pois é essa juventude – e sua relação com Brasília – o foco de A Concepção, do também brasiliense José Eduardo Belmonte.
Belmonte realiza com Brasília um procedimento muito similar ao realizado com Porto Alegre pelo pessoal da Casa de Cinema na década de 80, trazendo uma cidade longe dos cartões postais e mais próxima daquela vivenciada por seus habitantes. A Brasília de A Concepção não é aquela da Esplanada dos Ministérios ou dos políticos, mas sim seus subterrâneos (não por acaso o nome do primeiro longa-metragem de Belmonte, ainda inédito no circuito comercial): uma Brasília das drogas, das festas, da rebeldia, das orgias.
O concepcionismo criado pelo filme é, em teoria, um movimento libertário, de negação de uma identidade em prol de identidades múltiplas, mutáveis, adaptáveis. “Ser tudo, de todas as maneiras e a cada minuto”, proclama X (Matheus Nachtergaele), criador desse movimento bastante devedor de um certo psicodelismo dos anos 60/70, impressão essa reforçada pela presença de David Bowie na trilha sonora. Na prática, o que temos é algo muito próximo a Os Idiotas, de Lars von Trier (um grupo de pessoas adotando um estilo de vida radical em suas propostas como forma de reação à sociedade onde vivem), encenado pelo Teatro Oficina (nu, drogas, sexo, provocação).
Iniciando o filme com imagens de arquivo da construção de Brasília, Belmonte reivindica aquele espaço como origem do mal estar que retrata. Filhos de diplomatas, de políticos, jovens bem nascidos, os concepcionistas buscam no hedonismo a compensação para a falta de motivação e perspectivas causadas por seu status, justificando-se através de uma pseudo-filosofia contestadora, com todos os slogans e frases de efeito a que se tem direito. Contraditoriamente, na busca por uma libertação através do individualismo extremo, esses jovens acabam encontrando no grupo um apoio para suas experiências e em X a figura paterna que não possuem no núcleo familiar. Apesar do bom trabalho dos atores (em sua maioria iniciantes), os personagens possuem pouca profundidade e, à exceção daqueles interpretados por Nachtergaele e pela grata (e bela) surpresa Rosanne Hollan, pouco atraem a atenção do espectador.
Se A Concepção começa com força, interessante e promissor, causando impacto pelas imagens e diálogos que são lançados ao espectador, infelizmente ao longo da projeção percebemos que o radicalismo temático do filme não se estende à sua proposta estética, cuja "modernidade" se resume a cortes ágeis – numa bela montagem de Paulo Sacramento, devidamente premiada no Festival de Brasília –, ao uso de diversos suportes ao longo do filme (35mm, vídeo, Super 8 etc) e a uma câmara na mão que por vezes fica desfocada. Apesar do bom início, falta objetividade e fôlego ao filme para sustentar suas propostas até o final.
Como apontou o crítico Luiz Zanin Oricchio, A Concepção faz parte daquele grupo de filmes que Ruy Guerra definiu como “cheios de criatividade, imperfeitos, incompletos e encantadores por isso mesmo”. Infelizmente, no caso de A Concepção, talvez imperfeito demais.

4 Comments:

Blogger Unknown said...

Achei esse seu blog fuçando na net por aí, muito bons seus textos, a crítica de O novo mundo tá muito boa.
Se não for problema, vou colocar um link para o seu blog lá no meu

13/5/06 20:13  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Valeu Wilson! Espero poder contar com suas visitas e comentários freqüentes!

15/5/06 09:31  
Anonymous Anônimo said...

Leonardo,
fiquei interessado pela sua crítica de A Concepção. Sagaz, diria.

E, sobre a imperfeição do filme... Vale lembrar que "é só um filme". Na vida, é mais "perfeito" e, por isso mesmo, pior...

23/2/07 00:32  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Valeu Bohemio! Espero contar com mais visitas suas...

23/2/07 09:05  

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