10.9.05

O Castelo Animado

Hauru no ugoku shiro, de Hayao Miyazaki, Japão, 2004 - Bristol

Quando assistimos a um filme de Hayao Miyazaki, entramos na mente de um dos mais profícuos, criativos e imaginativos diretores de cinema da atualidade. Suas obras se alimentam da ânsia intrínseca do ser humano pela fantasia, por mundos onde as regras e o cotidiano como conhecemos sejam subvertidos, o que, mais do que uma fuga, demonstra a imensidão da psique humana, sempre em busca de uma plenitude além da realidade limitante em que vivemos. E os filmes de Miyazaki nos alimentam disso tudo, através de um mundo ao mesmo tempo familiar e estranho, onde o mágico e o banal convivem lado a lado.
Premiado com o Leão de Ouro pelo conjunto da obra no último Festival de Veneza, vencedor do Urso de Ouro de Melhor Filme no Festival de Berlim (pelo exuberante A Viagem de Chihiro, também vencedor do Oscar de Melhor Longa de Animação) e responsável por duas das três maiores bilheterias da história do Japão, Miyazaki consegue a proeza de ser aclamado tanto pela crítica quanto pelo público indo na contramão do que vem sendo convencionado como o futuro da animação: ao invés de uma avalanche de referências pop, cenários bucólicos que remetem ao fim do século XIX; no lugar da agilidade na trama e na edição, o diretor toma o tempo necessário para que sua história seja contada; quando as animações geradas por computador parecem se aproximar da perfeição, Miyazaki mostra que mais importante do que isso é a imaginação, criando verdadeiros deleites visuais através de técnicas tradicionais de animação.
O Castelo Animado é o nono longa-metragem desse senhor de 64 anos e, como na maior parte de seus filmes, tem como protagonista uma jovem menina que se vê obrigada a um rápido amadurecimento diante de uma situação inesperada. A situação inesperada no caso de Sophie é sua transformação em uma velha de 90 anos, devido a um feitiço da Bruxa da Terra Abandonada, motivada por ciúmes ao vê-la literalmente voar nos braços de Howl, o atraente bruxo dono do castelo que dá nome ao filme.
Entretanto, a história não é o mais importante em O Castelo Animado. Na verdade, trata-se de sua maior deficiência. Livremente inspirado no livro Howl’s Moving Castle, da famosa escritora de fantasias infanto-juvenis Diana Wynne Jones, o filme não desenvolve a trama a contento, apostando de maneira arriscada na suficiência do poder de suas imagens para assegurar o interesse do espectador. Como seu talento é espantoso, o que nas mãos de qualquer outro seria um desastre, nas de Miyazaki se transforma num belíssimo filme, com cenários deslumbrantes e personagens fascinantes (sendo os dois melhores o próprio castelo animado e Calcifer, o demônio de fogo que dá vida ao castelo – respectivamente a mais complexa e a mais simples criação do filme).
Enquanto seu filme anterior, A Viagem de Chiriro, finca-se como uma verdadeira obra-prima do gênero (por chegar próximo ao sublime tanto no espetáculo visual quanto na parábola que narra), O Castelo Animado estabelece-se como uma grande obra, muito além da maioria dos filmes de animação, mas aquém do que o diretor já atingiu.