4.8.05

As Aranhas

Die Spinnen, de Fritz Lang, Alemanha, 1919 - Cinemateca

Um dos primeiros trabalhos de Fritz Lang como diretor, As Aranhas está longe da grandeza de outras obras suas como Metropolis, M ou O Testamento do Dr. Mabuse. Entretanto, é curioso notar como, a partir de um filme aparentemente menor de um grande cineasta, é possível traçar uma série de análises e paralelos, não apenas com sua futura obra mas também com a época de sua realização.
Um longínquo ancestral da trilogia (em breve tetralogia) de Indiana Jones, o filme (planejado como uma série em quatro partes, embora apenas as duas primeiras tenham sido produzidas) tem como personagem principal Kay Hoog, um aristocrata que se envolve em uma série de aventuras pelos EUA, Peru, Índia e Ilhas Malvinas em busca de tesouros, cruzando sempre em seu caminho com uma organização criminosa auto-intitulada “As Aranhas”.
O filme estreou nos cinemas em 1919, ano em que a Alemanha sofria as conseqüências de sua derrota na 1a Guerra Mundial – como o fim de um império de quase 50 anos e as imposições do Tratado de Versalhes (o pagamento de vultosas compensações financeiras aos Aliados, a perda de boa parte de seu território e de suas colônias, uma grande restrição de suas forças armadas etc) – o que levava os alemães, humilhados e sem perspectivas, a buscarem no cinema uma forma de escapismo através de grandes aventuras, de preferência em terras exóticas, e nesse contexto As Aranhas era um prato cheio. Daí o grande sucesso comercial do filme, que levou inclusive Fritz Lang a recusar um convite para dirigir aquele que seria um dos grandes clássicos da cinematografia mundial: O Gabinete do Dr. Caligari, filme-marco do Expressionismo Alemão.
Outro detalhe emblemático do sentimento geral do povo alemão à época é a total ausência do Estado e de suas representações no filme, a ponto de um dos personagens alertar Kay Hoog, antes deste se aventurar em uma cidade subterrânea construída abaixo da Chinatown de São Francisco, que a polícia não o protegerá lá pois ela sequer reconhece a existência de tal cidade. Isso num momento em que a população demonstrava uma grande desconfiança em relação à recém proclamada República.
Para além do contexto histórico, algumas características marcantes do diretor já podem ser vislumbradas neste seu início de carreira, como a temática de vinganças, conspirações e assassinatos, recorrentes na futura obra do diretor e que foram antecipados aqui. Há também sua declarada simpatia pelos EUA, retratada neste filme através do personagem de Kay Hoog, o primeiro de uma série de heróis norte-americanos que acompanharão sua filmografia até o último filme, Os Mil Olhos do Dr. Mabuse. Essa política pró-americana será um dos motivos que levarão Hollywood a convidá-lo a trabalhar em seus estúdios entre 1936 e 1956 onde, entre refilmagens de clássicos de Renoir e filmes ambientados na Europa, teve a oportunidade de realizar vários faroestes, gênero que já aparecia na segunda parte de As Aranhas.
O filme permite mais uma série de outras análises interessantes, mas o importante é notar como na obra de um grande artista, mesmo nas menos representativas, está sempre presente um retrato apurado de sua visão do mundo e da época em que viveu. E Fritz Lang era, sem dúvida nenhuma, um grande artista.