24.2.06

Uma Mulher Contra Hitler

Sophie Scholl - Die Letzten Tage, de Marc Rothemund, Alemanha, 2004 - Cabine

Passados 60 anos do fim da 2a Guerra Mundial e da morte de Hitler, podemos perceber um certo movimento por parte do cinema germânico de exumação e reavaliação dos pecados do Terceiro Reich. Os principais exemplos nos últimos anos nesse sentido são o documentário Eu Fui a Secretária de Hitler e a ficção A Queda – As Últimas Horas de Hitler. A eles justa-se agora Uma Mulher Contra Hitler, de Marc Rothemund, vencedor dos Ursos de Prata de Melhor Diretor e Atriz (Julia Jentsch, conhecida do público brasileiro por Edukators) no Festival de Berlim e candidato alemão ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro.
Baseado em fatos reais e depoimentos até então inéditos, o filme retrata (como o título original explicita) os últimos dias de Sophie Scholl, mártir alemã que, aos 21 anos, foi condenada à morte pelo governo nazista e decapitada juntamente com seu irmão, como integrantes do Rosa Branca, grupo de resistência anti-nazista que difundia suas idéias de forma pacífica.
O filme inicia-se com o evento que culminou na prisão dos irmãos Scholl – a distribuição de panfletos condenando o governo de Hitler na Universidade de Munique em 1943 – para depois se concentrar nos seis dias que duraram os interrogatórios, o julgamento e a execução de Sophie. Negando de início seu envolvimento e posteriormente (diante de provas irrefutáveis) defendendo com intensidade seus ideais, Sophie trava um longo duelo ideológico com seu interrogador, o oficial da Gestapo Robert Mohr.
Esse embate entre diferentes visões de mundo (apresentado com uma certa ingenuidade e parcialidade mas ainda assim de maneira superior à discussão semelhante que ocorre no conterrâneo Edukators), a boa direção de arte e a forma como Rothemund mostra o peso das instituições sobre aqueles personagens – enquadrando sempre os prédios públicos (faculdade, delegacia de polícia, corte de justiça) em planos bem abertos, enchendo a tela e minimizando a presença dos personagens diante deles – são os maiores acertos deste filme que, entretanto, peca ao levar a história a um sentimentalismo exacerbado e canonizar sua protagonista.
Sophie é seguidamente retratada a contraluz, com os olhos aos céus ou em preces, como alguém consciente de uma missão divina e resignado com a incompreensão dos que o cercam. Os encontros da protagonista com seus pais e colegas de cárcere chegam a ser constrangedores, assim como a encenação do julgamento, devido às situações caricatas e piegas a que são impostos os personagens.
Com uma construção que busca prender o espectador pela emoção, sem economizar na trilha sonora para isso, Uma Mulher Contra Hitler não sobrevive a um olhar mais crítico. Misto de Olga e Joana d’Arc, a Sophie de Rothemund perde sua humanidade para se tornar um símbolo. Como diria Brecht, “triste é o povo que precisa de heróis”, ainda mais quando os utiliza para expurgar pecados do passado.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Esse não chegou por aqui, mas, dos citados, gostei bastante de A Queda. Quando na última tomada o filme se torna documentário, o cinema se aproxima bem mais da mulher que serviu a Hitler do que a ficção que terminava. Gosta desses inserções documentais no cinema ficcional.

2/3/06 09:53  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Um filme nacional recente que se utiliza muito bem dessas inserções documentais (ou semi-documentais) é o novo do Beto Brant, "Crime Delicado". Assistiu?

2/3/06 16:07  
Anonymous Anônimo said...

Infelizmente, não! Não chegou nos cinemas locais.

3/3/06 11:14  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Bom, vá ver assim que tiver a oportunidade! Imperdível e polêmico...

3/3/06 11:19  
Anonymous Anônimo said...

Assisti ''Uma mulher contra Hitler'' ontem em um cinama alternativo que tem em minha cidade. Gostei muito, mas ao mesmo tempo faltou algo.
Na verdade é cruel como os nazistas falavam daqueles que julgavam ''inferiores''. Gostaria de saber mais da hitória verídica que o filme foi baseado.

Muito legal aqui!

14/7/06 13:18  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Vanessa,

Que bom que você gostou do Enquadramento. Espero encontrá-la mais vezes por aqui. De que cidade você é?

Sobre a história da Sophie Scholl e o Rosa Branca, há um livro - importado, mas disponível na Livraria Cultura - que relata exatamente isso em que você está interessada. Você pode encontrá-lo aqui.

Fiquei sabendo também de uma exposição que iria ocorrer aqui no Brasil com algumas de suas cartas e dos manifestos que eles escreviam. Tentarei obter mais informações e divulgá-las aqui.

14/7/06 22:18  

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