21.6.06

O Homem Urso

Grizzly Man, de Werner Herzog, EUA,2005 - Cabine

Werner Herzog é um dos maiores expoentes do cinema alemão, responsável (juntamente com Fassbinder e Wim Wenders) pela renovação dessa cinematografia na década de 60, através do movimento conhecido como Novo Cinema Alemão.
Explorando indiscriminadamente a ficção e o documentário – “Para mim, a fronteira entre ficção e documentário não existe, são todos apenas filmes”, diz o diretor –, Herzog foi premiado por suas obras em ambos os gêneros, em festivais como Amsterdã, Berlim, Cannes, Sundance e Veneza.
Com O Homem Urso, seu mais recente documentário, sobre a vida de um ecologista que durante 13 anos viveu junto a ursos no Alasca e acabou sendo devorado por um, o diretor alemão conseguiu um de seus maiores sucessos de público e crítica.
Para além desse sucesso, devido principalmente ao caráter excêntrico do personagem retratado, o documentário de Herzog permite diversas discussões em torno dos princípios éticos que o regeram ao longo de sua produção. É sobre esses tênues limites cruzados por Herzog em O Homem Urso que trato no texto recém-publicado na Cinética.

Leia a crítica do filme em:

15.6.06

Eu, Você e Todos Nós

Me and You and Everyone We Know, de Miranda July, EUA/Reino Unido,2005 - Cabine

Há uma certa “estética Sundance” rondando muitos dos recentes filmes do chamado cinema independente americano. Frutos de oficinas ou laureados no festival criado por Robert Redford, esses filmes carregam diversas características comuns: ambientação contemporânea, fotografia e montagem simples e funcionais, foco em personagens excêntricos e/ou famílias desestruturadas dos subúrbios e enredos que buscam retratar a dificuldade desses personagens em se relacionar uns com os outros. Mais do que a constatação de um estilo comum a um grupo de jovens cineastas, essa “estética Sundance” se mostra de certo modo (por meio da viabilização desses filmes através de seus fundos ou da visibilidade gerada pela premiação no festival) como a imposição de um modo de observar e filmar a sociedade americana contemporânea, trazendo com isso uma pasteurização e um certo artificialismo a essa produção.
Eu, Você e Todos Nós, longa de estréia de Miranda July, é um perfeito exemplar dessa tendência. Tendo participado durante dois anos consecutivos do laboratório de roteiros de Sundance, o filme finalmente estreou no festival em 2005, levando o Prêmio Especial do Júri por “sua visão original”. July tem, sem dúvida, uma visão bem particular de mundo, mas ela é eclipsada ao longo do filme por diversos cacoetes narrativos (herdados provavelmente da formatação de seu roteiro aos moldes do festival) e pela insistência de, a cada instante, “passar uma mensagem” ao espectador, resultado talvez de sua formação como vídeo-artista.
A galeria de personagens da diretora – cujas histórias são narradas no estilo dos filmes-painéis de Robert Altman e P.T. Anderson – gravita em torno dos protagonistas Richard (John Hawkes) e Christine (interpretada pela própria Miranda July). Ele, recém-divorciado e pai de dois filhos. Ela, aspirante a vídeo-artista que, para pagar suas contas, trabalha como motorista para idosos. Acompanhamos suas histórias paralelas mas, desde o início, sabemos que os dois estão predestinados a se encontrarem e viverem felizes para sempre. Pois July possui essa visão romântica (quase naïf) do mundo, onde as adversidades, se existem, são apenas para provarem a capacidade das pessoas de superá-las, de forma aparentemente livre de maiores conflitos e, de preferência, em decorrência da compreensão e aceitação do próximo.
Em um determinado momento do filme, o colega de trabalho de Richard o alerta para os perigos de se criar os filhos na sociedade atual, repleta de criminosos, pervertidos e pessoas de má índole. O que vemos no filme, entretanto, é o extremo oposto. Os dois únicos personagens que poderiam de certo modo se encaixar em uma dessas características (a de pervertido, no caso do próprio colega de Richard, e a de má índole, no caso da curadora do museu onde Christine deseja expor seu trabalho) são mostrados na verdade como pessoas solitárias, frágeis e tímidas. Todos os demais personagens, incluindo aí as crianças, são pessoas que vivem constantes epifanias, permanentemente maravilhadas com o mundo e que filosofam sobre o sentido da vida a cada instante.
É inegável a visão otimista e humanista da diretora, bem como o frescor e a sensibilidade desse seu olhar. Entretanto, se há alguns momentos cativantes ao longo do filme, eles não são suficientes para arrebatar o espectador. Isso ocorre pois, na ânsia por expor sua visão particular de mundo através do filme, July acaba se excedendo e impõe, ao invés de garimpar, o mágico e o sublime nos pequenos detalhes do cotidiano.
Ressalva-se a segurança e o tato de Miranda July – atributos raros em um diretor estreante e que evitam que cenas importantes do filme, como as que envolvem as iniciações amorosas dos personagens mais jovens, tornem-se apelativas – e sua capacidade de criar belas cenas, a exemplo da simples caminhada pelo quarteirão que se transforma em uma metáfora para o relacionamento humano. Se acreditasse mais no poder das imagens que constrói e se apoiasse menos nas palavras e diálogos “espertos” de seu roteiro, July teria sido muito mais bem sucedida nessa sua estréia. Mas, infelizmente, a diretora deixou que a “mensagem” a ser passada ao espectador se impusesse sobre a história e seus personagens, perdendo com isso a magia de seu filme.