1.12.06

O Labirinto do Fauno

El Laberinto del Fauno, de Guillermo del Toro, México/Espanha, 2006 - Mostra SP

Em sua origem, os contos de fadas nada tinham de infantil. Eram relatos orais que tratavam de antigos e profundos medos humanos, e não raro incluíam em suas narrativas temas como estupro, assassinato e canibalismo. Foi só a partir do século XVII que, devidamente suavizados e adaptados, os contos de fada tomaram a forma de literatura infantil sob o qual os conhecemos hoje.
Pois é nessa natureza hedionda dos primeiros contos de fadas que Del Toro foi buscar a ambientação para sua fábula de horror sobre a dualidade da condição humana: dor e beleza, morte e salvação, brutalidade e inocência.
O Labirinto do Fauno se passa na Espanha de 1944, ou seja, quatro anos após o fim da guerra civil que levou Franco e o fascismo ao poder. A opção por localizar sua história já dentro do período fascista mostra que, para o diretor, a fantasia não é uma forma de alienação que permitiria a fuga da realidade – e a escolha do retrato da protagonista morta como imagem primeira do filme apenas reforça o peso dessa realidade sobre a narrativa –, mas sim a única resposta possível diante dos horrores da guerra.
A chave para o filme está na personagem de Ofélia, não por acaso o nome da trágica personagem de Hamlet. Órfã de pai, Ofélia se vê subitamente instalada em pleno seio do fascismo: sua mãe espera um filho de Vidal, capitão de Franco responsável por combater as milícias que continuam a lutar contra o governo, e por isso muda-se com ela para uma fazenda transformada em quartel-general do exército franquista.
Diante das atrocidades cometidas pelo Capitão Vidal e da gravidez de risco pela qual passa sua mãe, é apenas na fantasia que a pequena Ofélia encontra espaço para exercer sua inocência infantil. Instigada por um louva-a-deus que toma a forma de uma fada, Ofélia aventura-se por um labirinto existente na fazenda que a leva ao encontro de um fauno, figura mitológica que revela que ela é, na verdade, a reencarnação de uma princesa do mundo subterrâneo, a ligação perdida entre um mundo de fantasias e o dos homens – temática comum a vários filmes recentes, como A Dama na Água e A Promessa.
É a partir deste ponto que Del Toro revela seu profundo conhecimento da estrutura dos contos de fadas. Como grande parte dos heróis desses contos, também Ofélia precisará percorrer um verdadeiro ritual de passagem para a vida adulta – remetendo a obras como Alice no País das Maravilhas e A Viagem de Chihiro – e precisará superar três desafios impostos pelo fauno para poder finalmente reencontrar sua verdadeira identidade, mágica e imortal. Assim começa a jornada de Ofélia em O Labirinto do Fauno, que respeita a estrutura de quatro etapas fundamentais do conto de fadas.
A primeira delas é a travessia, passagem do herói para um mundo diferente, repleto de magia e criaturas estranhas. No filme, essa etapa está representada pelo instante em que Ofélia, ainda a caminho de seu novo lar, restaura uma pequena estátua à beira da estrada e, com isso, abre uma brecha para esse antigo mundo mágico e seus seres.
Realizada essa primeira etapa, os contos de fadas prosseguem para o encontro do herói com uma figura maléfica, que será seu oponente na concretização de seus objetivos. Ironicamente, Del Toro não coloca essa figura arquétipa em nenhum dos seres mitológicos com os quais Ofélia se encontra, mas sim em seu próprio padrasto, personificação absoluta do mal representado pelo fascismo.
A terceira etapa é a conquista. É aqui que o diretor deixa claro seu retrato realista, apesar de todo o mundo de fantasias que criou. Na estrutura tradicional dos contos de fadas, este seria o momento em que o herói inicia numa batalha de vida ou morte contra seu opositor, que inevitavelmente levaria à morte deste. Tal conclusão, entretanto, seria inviável dentro do contexto em que o filme se instala, apontando para uma saída naïf e escapista. O único final possível – já prenunciado na primeira cena do filme – é a morte da inocência.
Apesar disso, ao manter-se fiel à última etapa da estrutura tradicional dos contos de fada – a celebração, onde o herói é recompensado e exaltado por sua vitória –, Del Toro trás uma resignificação daquele instante, uma profissão de fé do diretor no poder da fantasia, da inocência e da beleza contra os horrores que o ser humano é capaz de perpetrar. Por trás de seu horror gótico, O Labirinto do Fauno se revela, ao final, uma bela e singela fábula humanista.

12 Comments:

Anonymous Anônimo said...

O primeiro filme que vi de Guillermo del Toro foi A Espinha do Diabo (não, curiosamente não foi Hellboy). Achei sublime e pensei comigo: vem aí um grande diretor e cinema. Ainda não assisti a O Labirinto de Fauno (verei essa semana), mas pelo que anda rolando na internet, é o filme mais maduro do cineasta, a produção em que ele mais se engajou até agora em sua carreira. Só por isso acredito já valer a pena dar uma conferida, não acha? Abraços do crítico da caverna.

3/12/06 19:01  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Roberto,

Eu acredito que é de longe o melhor filme dele. Obra de um cineasta maduro mesmo, sem dúvida vale a pena conferir.

Depois me diga o que achou dele...

4/12/06 11:31  
Anonymous Anônimo said...

este filme é fantástico! alguém saberia me dizer quando ele foi escrito, ou se ele se basea em algum outra história que tem final semelhante?

Obrigado!
--windloop

8/12/06 19:51  
Blogger Fábio Gonçalves said...

Fui ver ontem o Labirinto do Fauno... Gostei muito. O roteiro me pareceu sem par.

Fiquei surpreso, entretanto, com a força de algumas cenas. A violência é tal que até doi de ver. Cria uma tensão muito grande, compatível com o clima de guerra que os personagens vivem.

Sua crítica foi uma bela aula sobre os contos de fadas e refletem bem o espírito do filme.

Abraço!

10/12/06 22:49  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Windloop,

O roteiro foi escrito pelo próprio Del Toro. Até onde eu sei, é um roteiro que ele já tinha escrito há algum tempo, mas creio que ele não se baseou em nada para escrevê-lo (fora as referências claras a "Alice no País das Maravilhas").

Fábio,

"Labirinto" é um filme de impacto mesmo, sem dúvida nenhuma. O melhor é quando você não sabe o que te espera, vai com espírito aberto, aí o impacto é maior ainda. O filme foi extremamente bem recebido em Cannes.

14/12/06 10:12  
Anonymous Anônimo said...

Valeu pela resposta, leonardo. Se caso vc, futuramente, vier a descobrir algo novo e interessante, posta aqui que eu to acompanhando... ficou muito massa seu comentário... e eu me incluo na categoria que fui sem saber nada sobre o filme e saí vibrando...

abraço,
--windloop

21/12/06 00:34  
Anonymous Anônimo said...

PS: claro que todos serão super bem vindos, mas relacionado à elaboração do roteiro fico ainda mais agradecido...

valeu,
--windloop

21/12/06 00:35  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Windloop,

Fique tranquilo que, se souber de mais alguma coisa, posto aqui.

21/12/06 08:52  
Anonymous Anônimo said...

gostaria de saber o nome do autor do livro que deu origem ao filme "o labirinto do fauno", por favor

22/8/07 21:02  
Blogger Leonardo Mecchi said...

Não há nenhum livro. Trata-se de um roteiro original do Guillermo del Toro.

23/8/07 13:04  
Blogger Ò.ó Douglas ò.Ó said...

Fiquei sabendo que tem um livro sim...
e é um livro bem grande.

não sei o autor, mas meu colega disse que leu o livro ja. vou tentar ver com ele...

20/12/09 01:57  
Anonymous Anônimo said...

Olá, sou Maria Aparecida, pós-graduanda em Língua Espanhola...minha pesquisa é sobre o filme "O labirinto do fauno", então como pediram e pesquisando na internet encontrei o nome do livro onde o filme onde o fime foi baseado o nome é: NOCTURNA(NOTURNO em português) TRILOGIA DA ESCURIDÃO, escrito por Guillermo Del Toro e Chuck Hogan (EDITORA ROCCO) Besitos y chao!!!!!!!!!!!!

20/3/11 13:06  

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