O Quarto Verde
La Chambre Verte, de François Truffaut, França, 1978 - Top Cine
O Quarto Verde é um dos últimos trabalhos de Truffaut, realizado seis anos antes de sua morte. Aproximar os dois eventos pode parecer um tanto óbvio, devido à temática do filme, que consiste basicamente de variações em torno de um único tema: a morte. Entretanto, tal comparação é importante para se entender o envolvimento de Truffaut com esta obra. Trata-se de um filme extremamente pessoal – mesmo para um diretor conhecido pelas obras francamente autobiográficas –, onde ele se expõe com rara franqueza discorrendo sobre algo que sentia muito próximo. “Acabo de completar 46 anos e já me sinto cercado de desaparecidos”, disse Truffaut na época das filmagens.
O próprio diretor interpreta Julien Davenne, um homem assombrado pela morte dos amigos, e em especial de sua esposa, durante a Primeira Guerra Mundial. Julien presta uma enorme devoção a seus mortos, a ponto de preterir o convívio com os vivos até o dia em que conhece Cecília, uma jovem que, apesar de compartilhar de muitos dos sentimentos de Julien, tenta trazê-lo de volta à vida.
Adaptado da obra O Altar dos Mortos, de Henry James, o filme possui um tom monocórdio do início ao fim, desde a interpretação bressoniana de Truffaut, passando pela belíssima fotografia de Néstor Almendros até a precisa trilha de Maurice Jaubert, remetendo justamente à platitude da morte. Truffaut acreditava no que ele mesmo denominou de “emoção pela acumulação”, daí o filme ser composto em sua maior parte de curtas cenas sem um fio condutor muito forte que as ligue, funcionando como um acúmulo de impressões sobre o tema principal. Os poucos planos seqüência estão sempre vinculados à jovem Cecília, que representa a única possibilidade de continuidade na vida fragmentada de Julien. “Eu me tornei simplesmente um espectador da vida”, nos diz o protagonista no início da história.
O filme possui algumas cenas de rara beleza: a seqüência inicial, com um olhar catatônico de Julien sobreposto a imagens de destruição da Primeira Guerra Mundial (onde a simples substituição da tonalidade preta e branca das imagens de arquivo pelo azul confere um valor subjetivo e não documental àquilo que está sendo relatado); o rosto de Julien visto através de um vidro ondulado, perturbado como um retrato de Munch; a “floresta de chamas” criada por Julien para seu culto aos mortos ou, a mais bela e bem fotografada de todas, o longo plano seqüência durante o enterro de Massigny, antigo amigo de Julien, onde a câmera vai flanando por entre as lápides até encontrar Cecília reclusa em um canto, pranteando a morte do amado.
O Quarto Verde é um filme contido, denso, de difícil assimilação. É uma obra à parte na filmografia do diretor, cujos filmes sempre tiveram uma transbordante vitalidade. Entretanto, para aqueles que enfrentarem o desafio, poderão ser recompensados com belíssimas cenas e uma profunda reflexão sobre uma das questões capitais da existência humana: sua finitude.
4 Comments:
Eu ainda não sei direito o que pensar sobre esse filme, pois ele é, como você bem colocou, um desafio. Indo no embalo das belas cenas, digo que a que mais me impressionou foi a primeira vez que ele mostra o local onde cultua os mortos, com todas aquelas velas, aquela música incrível de fundo e muita luz e escuridão num mesmo lugar. É realmente incrível.
Adorei o filme. Complexo, como todos os filmes franceses mas, indescritivelmente fantástico.
Ontem na minha folga estava entre comprar um Godard que já tinha visto como Pierrot, le fou ou este nunca visto de Truffaut. Valeu o desafio!!! Para mim tem duas cenas importantes, a capela e as fotos dos "mortos" que Truffaut colocou Oskar Werner, Jeanne Moureau, Oscar Wilde, Balzac e a sensivel cena em que Cecilia da aula de piano e com a musica ao fundo Davene descobre varias fotos de Masign na casa desta.
Vi o filme ao acaso.. e gostei muito. Já serviu como um meio de eu conhecer teu blog! Que é ótimo!
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