Vida de Menina, de Helena Solberg, Brasil, 2004 - Cine MorumbiMinha Vida de Menina é um livro publicado em 1942 contendo os diários escritos quase meio século antes por uma menina de 13 anos, descendente de ingleses, que vivia em Diamantina, no interior de Minas Gerais. Vida de Menina é a adaptação desses diários de Helena Morley (pseudônimo de Alice Brant) pela diretora Helena Solberg e a roteirista Elena Soárez, que fizeram mais de dez versões do roteiro na busca de traduzir a quase intangível beleza e poesia desse livro que encantou escritores do porte de Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa e da poetisa Elizabeth Bishop, que o traduziu para o inglês. Não é pequeno esse desafio de adaptar para o cinema um diário (o que por si só já dificulta a tarefa, por se tratar de uma narrativa episódica, fragmentada) onde na aparência nada acontece (diferentemente de seu colega mais famoso, O Diário de Anne Frank). Entretanto, por baixo dessa aparente tranqüilidade, temos um dos mais belos retratos já realizados da infância e de sua visão de mundo, um comentário mordaz e preciso sobre a sociedade da época e um instantâneo de um país que havia acabado de abolir a escravatura e proclamado a república. Trata-se de um olhar privilegiado, pela idade da protagonista – que se encontra naquela encruzilhada onde já viveu o suficiente para notar as contradições e interesses dos adultos mas não o bastante para perder o deslumbramento diante das pequenas coisas da vida – e pela sua criação inglesa, o que lhe permite um distanciamento crítico na observação de sua realidade.
Para conseguir transpor para o cinema esse olhar pessoal que se encontra nas entrelinhas do diário, por trás de relatos aparentemente banais e cotidianos, são necessárias duas coisas: uma personagem forte o suficiente para conseguir por si só atrair a simpatia e atenção do público e uma linguagem que priorize o poético e não dependa de grandes feitos ou ações para se sustentar.
No primeiro ponto reside o grande trunfo do filme: Helena Morley não apenas é uma personagem fascinante, com sua vitalidade e contradições típicas da pré-adolescência, como Ludmila Dayer nos brinda com uma interpretação precisa e iluminada, injustamente preterida no Festival de Gramado (onde o filme levou seis prêmios, incluindo o de Melhor Filme, Roteiro e Júri Popular).
Já em relação à linguagem, Solberg parece ter buscado essa chave minimalista, porém o resultado foi irregular ao longo do filme. A seu favor conta a direção de arte (que, caso raro no cinema brasileiro, fez uma recriação de época que não tenta se sobrepor ao próprio filme, integrando-se harmonicamente ao conjunto), a bela fotografia de Pedro Farkas e a trilha de Wagner Tiso (embora excessiva em alguns momentos). Entretanto, o filme tem poucos momentos marcantes, seja pelo elenco de apoio irregular, seja pela dificuldade da diretora em atingir a veia poética necessária, o que acaba tornando muitas das cenas folhetinescas e calcadas em um humor simplório.
Realizar Vida de Menina foi uma decisão corajosa de Solberg, ainda mais tendo em vista sua temática muito distinta do grosso da atual produção nacional (o que inclusive atrasou seu lançamento em salas de cinema por mais de um ano). Suas limitações são ocasionadas mais pela grandeza do desafio do que por escolhas erradas da diretora, mas ao final nos deixa com a sensação de termos tido apenas um vislumbre desse raro diamante, o que pode ser uma boa desculpa para aqueles que ainda não leram o livro.