Zuzu Angel
Zuzu Angel, de Sérgio Rezende, Brasil,2006 - Cabine
A recente discussão sobre a baixa média de público das produções brasileiras tem levantado uma série de hipóteses que buscam explicá-la. Entre elas, está a velha questão – que parece mais a reprodução de um preconceito que há muito persegue o cinema nacional do que um fato que se confirma na prática – de que os filmes nacionais seriam por demais herméticos e não buscariam uma comunicação efetiva com o espectador.
Zuzu Angel é um exemplo de como a busca por contradizer tal afirmação pode levar a excessos prejudiciais à obra e ao público. O novo filme de Sérgio Rezende (que tem se especializado em cinebiografias históricas como as de Lamarca, Mauá e Antônio Conselheiro) narra a história de Zuzu Angel, estilista brasileira cujo sucesso internacional ocorreu simultaneamente à ascensão da ditadura militar. Acreditando num primeiro momento ser possível manter-se neutra diante da situação política do país, Zuzu vê suas crenças irem por água abaixo com a notícia de que seu filho fora preso pelo exército e estaria sofrendo torturas. A partir daí, e através dos contatos internacionais que sua posição lhe permitia, Zuzu Angel tornou-se uma das principais porta-vozes na década de 70 contra as barbáries do regime militar, em sua busca incessante por notícias do filho.
O filme reúne vários ingredientes que buscam atrair o grande público: uma história comovente e baseada em fatos reais, trilha sonora com clássicos da MPB, elenco famoso e televisivo (capitaneado por Patrícia Pillar como a personagem título) e uma narração extremamente clássica e bem comportada, que não apresenta nenhuma complicação para o espectador acompanhar o desenrolar da trama. Ao apostar nessa comunicação com o público, entretanto, Rezende exagera e acaba subestimando o espectador.
Temos então um filme extremamente didático, onde abundam cenas com personagens lendo ou redigindo inúmeras cartas (para explicar detalhadamente tudo o que ocorre ao espectador), flashbacks explicativos e contextualizantes, músicas incidentais que irrompem a cada cena-chave (pronta a alertar o espectador que ele deve se emocionar) e diálogos que, por mais tensos e críticos que sejam, são sempre claros, pausados e formais.
O filme acaba cativando em alguns momentos, em função da força da história de Zuzu, da reconstrução de um momento histórico tão delicado de nosso país e da interpretação convincente de Patrícia Pillar, mas as escolhas estético-narrativas de Rezende incomodam o espectador que busca no cinema algo além da emulação da linguagem televisiva e que preferem ser provocados e desafiados a serem guiados pela mão, como se fossem crianças que ainda não podem andar pelas próprias pernas.
19 Comments:
Pois é... não vi o filme mas a sua crítica corresponde a espectativa que eu criei do filme só de ver o trailer. Um filme pretensamente "cult" (porque as pessoas buscam o cinema nacional como status de cultura) e com um tema nacional (para se distinguir de Hollywood) mas com pretensões prioritariamente de obter um grande público. Lamentável.
Sem contar que, mesmo que vc tenha afirmado que a Patricia Pillar trabalhou bem, ela 'a priori' não me convence no papel de mãe de um jovem subversivo. Mas eu deveria ver o filme antes de criticar.
Um abraço...
Fábio,
Cuidado para não destilar preconceitos inconscientemente!
Primeiro, não há nada de errado ou lamentável em um filme buscar prioritariamente o grande público. Filme nacional não é um gênero, assim como filme de ação, terror ou comédia. Não é pq um filme é brasileiro que ele deve necessariamente ser alternativo ou experimental. É igualmente válido, e importante, que o cinema nacional tenha filmes que visem o grande público, mesmo pq sem eles a indústria cinematográfica nacional torna-se insustentável, o que inviabilizaria a pluralidade de produção.
O problema é menos buscar o grande público do que a forma como o faz, e no caso do Rezende essa forma é subestimando o espectador. Mas é possível fazer filmes para grande público com qualidade, sem subestimar o espectador, e Michael Mann está aí para prová-lo.
E não sabia que "mãe de subversivo" tinha um esteriótipo bem definido, a ponto da Patrícia Pillar não te convencer como uma à priori, hehehehe...
Bom, apenas um comentário para te fazer refletir um pouco... Se você for ver o filme (não que seja algo que eu te recomende), depois me diga o que achou. Abraços!
Eu acho a Patrícia Pillar uma atriz até correta, no entenato, acho que ela e seus colegas foram muito mal dirigidos. Há muitas cenas que deveriam ter a tarja "texto decorado", como a do diálogo entre Zuzu, Stuart e a namorada, onmde eles explicam suas convicções políticas, e a cena com o padre, podre.
Mas sem dúvida nenhuma foram mal dirigidos, Chico! Os diálogos são realmente de doer, pois parece coisa de novela: não importa se estão numa briga de foice, cada personagem fala pausadamente, como se estivesse declamando um discurso, enquanto o outro aguarda serenamente sua vez de falar. Uma coisa impressionante...
Você não achou que as cartas, aliadas ao depoimento de Zuzu ao mic, depois aos outros inúmeros pontos de vista, cria um mosaico narrativo que pode ser interessante? Esse talvez seja o melhor filme de Rezende. Será que os diálogos, pausadamente, falados, não demonstram mesmo um didatismo proposital, assim como as passagens em que o filme, ora, torna-se um suspense, ora, um filme político, ora, um drama familiar? As vezes, eu acho que há uma predisposição em entrar na sala de cinema para amar uns e detratar outros diretores: dificilmente, seja no cinema ou em qualquer outra situação, não se é possível aprender com o outro! O Chico em seu blog, por exemplo, falou que o filme não emociona, qaundo deveria emocionar... Será mesmo que deveria? E se sim, não emocionar não é um ponto positivo em uma estrutura de filme fadado a emoção?
Bom, eu já acho que o filme emociona bastante. Mas achei bem pertinentes as questões que o Marcos levantou. Sou um dos que apreciaram bastante o filme. Acho que o trailer ruim é que está afastando muita gente.
Marcos,
Como eu falei na resposta para o Fábio, não acho nada de errado em um filme buscar o grande público, pelo contrário, acho que é fundamental para o cinema brasileiro ocupar também esse espaço.
Mas tenho tudo contra o diretor subestimar o espectador ao fazê-lo, o que acho que é o caso do Rezende (menos em "Zuzu Angel" do que em filmes anteriores seus, admito, mas ainda assim bem presente). Não tenho repulsa pelo filme (no Cinequanon dei cotação 2 de 5), mas acho que - embora não seja um exagero como "Olga" - o filme abusa em suas opções estético-narrativas.
Não vejo as cartas como um mosaico interessante, pois para mim elas tem uma clara função de muleta narrativa, explicando detalhadamente ao espectador situações ou emoções que o diretor não conseguiu transmitir cinematograficamente.
Há cenas que são de doer os ossos (Patrícia Pillar lendo a carta do filho com a filha sentada aos seus pés enquanto a trilha sonora agressivamente exige lágrimas do espectador ou o discurso diante do tribunal de seu filho - o momento mais próximo de "eu estou grávida de Luis Carlos Prestes") e outras belas (não por acaso as que não dependem de diálogos para se sustentar, como o encontro da Patrícia Pillar com Nelson Dantas - que não fala uma palavra e segura toda a cena nos olhos).
A questão da emoção é complicada, por ser uma reação extremamente pessoal do espectador, mas acho que a partir do momento em que se trata de um filme que busca o popular, busca o contato com o grande público através da emoção (e o tema, a trilha sonora e as atuações não negam isso em momento algum), o fato de não emocionar (e não estou afirmando que não o faz - veja por exemplo a opinião do Ailton -, mas estou apenas contra-argumentando tua opinião, Marcos) não pode ser considerado algo positivo. Não acha?
Ailton,
Será que está afastando muita gente? Eu acho que o filme é capaz de atrair um bom público. Vamos esperar os dados do Filme B amanhã para verificarmos os números de estréia...
Abraços!
Eu, exatamente, não disse que o filme não emociona: citei apenas uma fala do Chico em seu blog afirmando isso. Na verdade, são várias as cenas que emocionam - como, por exemplo, a cena com Nelson Dantas e a do desfile que irrompe logo após Zuzu Angel enquadrar o sol naquele bar - cenas poucos populares. Na verdade, acho que ele busca a emoção bem menos do que Olga e do que a história de uma mãe a procura do filho exige - isso acho positivo. Só não vejo o porque deplorar o didatismo daquela carta que anuncia a morte de Stuart, cujo efeito "didático" é bem menor, bem mesmo, que a imagem de Pillar afogando-se na dor de perder um filho. Sem aquelas imagens, aquela carta não seria nada e seu didatismo seria pouco didático ou quase não teria efeito nenhum. De fato, a cena do tribunal é deplorável, nem tanto quanto a cena da mãe lendo a carta do filho. Eu, realmente, gostei das inúmeras possibilidades de se contar uma história: do filme de suspense, ao drama familiar; do cinema político, ao melodrama - do uso de diversos recursos narrativos - uma carta, um depoimento ao microfone, etc. Pode ser um filme, em geral, desnecessário, mas têm alguns pontos que gostei em um cineasta com uma sequencia de filmes que tenho pouca vontade de rever.
Marcos,
Mas você tocou justamente no ponto que eu defendo: as cenas que você cita como emocionantes, são justamente aquelas puramente cinematográficas (sem diálogos ou cartas sendo lidas/escritas).
Há uma história curiosa sobre a "invenção" do cinema direto: dizem que o Robert Drew estava assistindo um documentário na TV quando ficou com sede e foi à cozinha pegar um copo d'água. Ele ficou por lá uns 10 minutos, voltou pra sala e percebeu que não perdeu em nada o fio da meada do documentário que assistia. Ao pensar no motivo disso, percebeu que enquanto estava na cozinha continuava ouvindo a narração do filme e pensou: "ainda não estamos fazendo documentários, estamos fazendo rádio!" e foi aí que desenvolveu todo o conceito do cinema direto.
Se é verdade a lenda ou não é difícil saber, mas faça o exercício e assista "Zuzu Angel" de olhos fechados: vovê vai entender tudo.
Sérgio Rezende ainda está fazendo rádio-novela...
Eu não fiquei emocionado em nenhum momento, mas pode ser que seja problema meu...
Mas Chico, você é um insensível mesmo! Hehehehe...
Sinceramente, dois momentos me emocionaram no filme: o desfile-protesto e "Angélica" nos créditos finais.
Mas como eu disse antes, essa questão da emoção é algo muito pessoal.
Bem, confesso que estes dois momentos me emocionaram isoladamente, mas não num contexto generalizado, apenas como momentos pontuais.
Ah, sabia que ainda havia salvação possível para você, Chico!
Vi o filme... e achei péssimo! Achei juvenil demais, explicadinho demais. Não dá pra ficar emocionado em momento algum, mesmo a história sendo boa e emocionante na realidade... a ficção detonou a realidade nesse caso! Acho que Zuzu foi o último filme nacional sobre revolução, ditadura, tortura etc que assisti! Credo!
Olá Ana!
Pois é, o triste é que é um assunto interessantíssimo, que poderia render excelentes filmes (como nossos hermanos argentinos já comprovaram) mas que por aqui acabam sempre desperdiçando em filmes pseudo-populares...
Então, fazendo minha "tréplica" (pra aproveitar o clima de debate eleitoral)...
Eu continuo pensando que um filme não deve buscar *prioritariamente* o grande público. Não há nada de errado em um filme atingir uma grande audiência e nem mesmo em procurá-la, desde que este não seja o objetivo do filme. Um filme deve ser feito como uma obra de arte, visando comunicar um sentimento, uma idéia. Para isso é necessário ter em vista o público, isto é, para quem o autor quer comunicar. Mas isto deve ser feito 'a posteriori' ou concomitantemente.
Para fazer cinema pensando primeiramente em trazer público para as salas esvazia a obra, como aconteceu com "Zuzu" (que eu não vi, nem vou ver). O filme resultante pode servir como entretenimento, mas não como arte. E se for assim, acho melhor deixar a indústria cinematográfica nacional falir mesmo. Se é pra se manter no nível Rede Globo, fiquemos com a própria, não precisamos de cinema.
Quanto à Patrícia Pillar, é preconceito mesmo. E talvez um pouco de inveja do Ciro Gomes... :)
Abraço!
Fábio,
Essa dicotomia entretenimento x arte é uma das mais antigas discussões do cinema e acho que não seria o caso de discutí-la neste espaço.
Mas é importante saber que o cinema nasceu lá atrás (irmãos Lumière, Edison, Méliès) não como arte, mas como entretenimento mesmo, que disputava espaço nas feiras do final do século XIX com truques de mágica, ilusionismo etc. O cinema só foi ganhar esse estatuto de arte e de "autor" algumas décadas depois.
Acho importante defender o cinema de arte sim, como uma posição pessoal e política (e você sabe que eu faço isso 24h por dia), mas não como algo excludente ao de entretenimento.
Porque a equação não é tão simples assim: se não houvesse filmes como "Olga" ou "Dois Filhos de Francisco" (e não estou discutindo aqui a qualidade desses filmes, mas sim seu tamanho e apelo popular), não haveria "Cinema, Aspirinas e Urubus" ou "Madame Satã", simplesmente porque é inviável sustentar toda a indústria e os técnicos envolvidos com cinema no Brasil apenas com essas produções "de arte". E estou falando em termos puramente pragmáticos, de pagar o salário da galera.
Então, como eu digo no último texto que escrevi pra Cinética, o buraco é mais embaixo...
Eu assisti ao filme...e não foi uma vez só...Zuzu é uma grande referência...
grande mulher...
forte...inspirada...criativa...
que sofreu...como quase toda mãe sofre...mas...ela foi vítima...como muitas outras mães...mas isso não tira sua importância
Beijo
Leca
Postar um comentário
<< Home