A Passagem
Stay, de Marc Forster, EUA, 2005 - Cabine
A Passagem, mais recente filme de Marc Forster, remete a obras como Cidade dos Sonhos, Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças e Spider, tratando também ele de temas como os sonhos, a definição de identidades e os limites – nem sempre claros e bem definidos – entre o real e o imaginário, a razão e a loucura.
Diretor dos filmes Em Busca da Terra do Nunca e A Última Ceia, Forster busca criar, neste thriller psicológico sobre um psiquiatra que tenta salvar a vida de um paciente suicida, um clima onírico e atormentado desde o primeiro minuto de projeção, extrapolando para as imagens o processo de questionamento da realidade pelo qual passam os dois personagens principais – o psiquiatra Sam Foster (Ewan McGregor) e o jovem artista plástico Henry Lethem (Ryan Gosling). Para deixar claro ao espectador que se trata de um ambiente onde a lógica e a razão não ditam as regras, o diretor utiliza todo um arsenal de recursos disponíveis, ora de maneira sutil, ora exacerbada: quebras de eixo, imagens deformadas, pontos de vista fragmentados, faux raccords, elipses temporais, uma trilha de fundo constante e discreta de ruídos e vozes, cenários escherianos e uma montagem e direção de arte que buscam quase sempre o efeito de um trompe l’oeil.
Entrando logo de início nesse ambiente e no conflito que pretende retratar, sem muito tempo para ambientação e para o desenvolvimento das relações entre os personagens, o diretor assume uma aposta arriscada: ou consegue que o espectador baixe a guarda e se entregue a esse estado alterado de percepção da realidade nos primeiros 15 minutos do filme ou o perde para sempre. O interesse causado pelos diversos recursos mencionados faz com que a balança penda, num primeiro momento, para o lado do diretor. Mas conforme a história avança, a estrutura montada pelo filme começa a dar sinais de sua fragilidade.
Sabemos que estamos diante de uma “pegadinha” e que basta descobrir a informação que o diretor está nos escondendo para teremos a resposta aos acontecimentos aparentemente inexplicáveis que observamos. E para um filme que se baseia no questionamento de nossa percepção de mundo, a exposição desse artifício é fatal. Pois Forster é um daqueles diretores que ainda necessitam de muletas e que agem de maneira quase desonesta, escondendo do espectador uma surpresa e tornando-a a razão de ser definitiva do filme, com medo de que sem essa carta na manga não consiga manter o interesse do público e que toda a estrutura moderna e esperta que criou venha abaixo, por não ter conteúdo que a sustente. E essa surpresa, como é de praxe, só será revelada nos últimos minutos do filme, em um final complacente que traz para o espectador a explicação racional esperada para tudo o que aconteceu, tranqüilizando-o: “o mundo ainda é o mesmo com o qual você está acostumado e tudo está sob controle”.
Marc Forster demonstra neste filme possuir inegável habilidade na criação de climas e ambientes, mas também que lhe falta a coragem de dar um passo além e radicalizar sua proposta, que é exatamente o que diferencia os grandes cineastas como David Lynch, que se liberta completamente da necessidade da lógica e da razão em um filme genial como A Estrada Perdida, ou David Cronenberg, que desenvolve análises profundas sobre a psique humana – em filmes como Spider – exclusivamente através da complexidade e mistérios próprios de nossa mente, sem a necessidade de truques de roteiro.