2.10.05

O Quarto Verde

La Chambre Verte, de François Truffaut, França, 1978 - Top Cine

O Quarto Verde é um dos últimos trabalhos de Truffaut, realizado seis anos antes de sua morte. Aproximar os dois eventos pode parecer um tanto óbvio, devido à temática do filme, que consiste basicamente de variações em torno de um único tema: a morte. Entretanto, tal comparação é importante para se entender o envolvimento de Truffaut com esta obra. Trata-se de um filme extremamente pessoal – mesmo para um diretor conhecido pelas obras francamente autobiográficas –, onde ele se expõe com rara franqueza discorrendo sobre algo que sentia muito próximo. “Acabo de completar 46 anos e já me sinto cercado de desaparecidos”, disse Truffaut na época das filmagens.
O próprio diretor interpreta Julien Davenne, um homem assombrado pela morte dos amigos, e em especial de sua esposa, durante a Primeira Guerra Mundial. Julien presta uma enorme devoção a seus mortos, a ponto de preterir o convívio com os vivos até o dia em que conhece Cecília, uma jovem que, apesar de compartilhar de muitos dos sentimentos de Julien, tenta trazê-lo de volta à vida.
Adaptado da obra O Altar dos Mortos, de Henry James, o filme possui um tom monocórdio do início ao fim, desde a interpretação bressoniana de Truffaut, passando pela belíssima fotografia de Néstor Almendros até a precisa trilha de Maurice Jaubert, remetendo justamente à platitude da morte. Truffaut acreditava no que ele mesmo denominou de “emoção pela acumulação”, daí o filme ser composto em sua maior parte de curtas cenas sem um fio condutor muito forte que as ligue, funcionando como um acúmulo de impressões sobre o tema principal. Os poucos planos seqüência estão sempre vinculados à jovem Cecília, que representa a única possibilidade de continuidade na vida fragmentada de Julien. “Eu me tornei simplesmente um espectador da vida”, nos diz o protagonista no início da história.
O filme possui algumas cenas de rara beleza: a seqüência inicial, com um olhar catatônico de Julien sobreposto a imagens de destruição da Primeira Guerra Mundial (onde a simples substituição da tonalidade preta e branca das imagens de arquivo pelo azul confere um valor subjetivo e não documental àquilo que está sendo relatado); o rosto de Julien visto através de um vidro ondulado, perturbado como um retrato de Munch; a “floresta de chamas” criada por Julien para seu culto aos mortos ou, a mais bela e bem fotografada de todas, o longo plano seqüência durante o enterro de Massigny, antigo amigo de Julien, onde a câmera vai flanando por entre as lápides até encontrar Cecília reclusa em um canto, pranteando a morte do amado.
O Quarto Verde é um filme contido, denso, de difícil assimilação. É uma obra à parte na filmografia do diretor, cujos filmes sempre tiveram uma transbordante vitalidade. Entretanto, para aqueles que enfrentarem o desafio, poderão ser recompensados com belíssimas cenas e uma profunda reflexão sobre uma das questões capitais da existência humana: sua finitude.

4 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Eu ainda não sei direito o que pensar sobre esse filme, pois ele é, como você bem colocou, um desafio. Indo no embalo das belas cenas, digo que a que mais me impressionou foi a primeira vez que ele mostra o local onde cultua os mortos, com todas aquelas velas, aquela música incrível de fundo e muita luz e escuridão num mesmo lugar. É realmente incrível.

3/10/05 22:06  
Blogger Fernanda Pereira said...

Adorei o filme. Complexo, como todos os filmes franceses mas, indescritivelmente fantástico.

8/10/08 21:09  
Anonymous Danusa said...

Ontem na minha folga estava entre comprar um Godard que já tinha visto como Pierrot, le fou ou este nunca visto de Truffaut. Valeu o desafio!!! Para mim tem duas cenas importantes, a capela e as fotos dos "mortos" que Truffaut colocou Oskar Werner, Jeanne Moureau, Oscar Wilde, Balzac e a sensivel cena em que Cecilia da aula de piano e com a musica ao fundo Davene descobre varias fotos de Masign na casa desta.

21/5/09 16:12  
Anonymous Anônimo said...

Vi o filme ao acaso.. e gostei muito. Já serviu como um meio de eu conhecer teu blog! Que é ótimo!

10/2/12 14:54  

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