1.2.08

Mostra Tiradentes 2008

Sem querer justificar minha ausência por aqui, estive de 17 a 26 de janeiro acompanhando e trabalhando na 11ª Mostra de Cinema de Tiradentes. A edição deste ano, sob a curadoria de Cléber Eduardo, foi particularmente especial, não apenas pela qualidade geral da programação, mas pela criação da Mostra Aurora, dedicada a diretores em início de filmografia em longa e que este ano contou exclusivamente com longas-metragens de estréia (dois do Ceará, dois de Pernambuco, um do Rio Grande do Sul, um de São Paulo e outro do Rio de Janeiro, o que por si só já demonstra a descentralização dessa nova produção).
A grande novidade deste ano foi a confirmação de um novo modelo de produção, com um cinema em digital realizado com baixíssimo orçamento e, muitas vezes, sem recursos de editais e leis de incentivo. Se enquadram nessa vertente da produção filmes como os cariocas Alucinados, de Roberto Santucci, e Meu Nome é Dindi, de Bruno Safadi (que levou o prêmio de Melhor Filme do Júri da Crítica); os pernambucanos Amigos de Risco, de Daniel Bandeira, e Crítico, de Kleber Mendonça Filho; e Meu Mundo em Perigo, de José Eduardo Belmonte.
São filmes com propostas e resultados bastante distintos, mas que se utilizam das possibilidades abertas pela tecnologia digital para conseguirem uma maior liberdade e viabilizarem projetos que não seriam produzidos de outra forma. Dois dos sete filmes da Mostra Aurora foram exibidos em projeção digital. Outros quatro foram captados em vídeo e convertidos para 35 mm. Apenas o paulista Corpo, de Rosanna Foglia e Rubens Rewald foi rodado originalmente em película.
As produções do Nordeste, em especial de Pernambuco e Ceará, demonstraram ainda uma nova cena surgindo, com um cinema feito entre amigos, com profissionais trabalhando uns nos filmes dos outros. Dessa forma, temos o diretor de Sábado à Noite (Melhor Filme pelo Júri Jovem), Ivo Lopes Araújo, assinando a fotografia de O Grão, de Petrus Cariry. Por sua vez, Daniel Bandeira, diretor de Amigos de Risco, fez os letreiros e animações de Crítico, de Kleber Mendonça Filho (de quem já havia montado Vinil Verde e co-dirigido A Menina do Algodão).
A seleção de curtas e vídeos reforça o surgimento dessa nova cena, com Pernambuco representado por três curtas – incluindo Ocidente, de Leonardo Sette (responsável por entrevistas adicionais em Crítico) e Décimo Segundo, de Leonardo Lacca (que teve edição de som de Kleber Mendonça Filho) – e o Ceará com dois curtas e sete vídeos na programação.
O que se pode ver ainda é uma enorme renovação das equipes, seja na figura dos diretores (vários estreantes da Mostra Aurora estão abaixo dos 30 anos), técnicos (com especial destaque para os fotógrafos Lula Carvalho e Ivo Lopes Araújo) e atores (onde Eucir de Souza, Rosanne Mulholland, Djin Sganzerla, Irandhir Santos, João Miguel e Nash Laila destacaram-se em Tiradentes, seja nas telas ou nos debates).
Saindo da seara dos meios de produção, é possível detectar ainda algumas opções dramáticas que aproximam diversos filmes da programação. É o caso da opção pela concentração de todo o enredo em um curto espaço de tempo (um dia ou uma noite), envolvendo o deslocamento dos personagens ou do filme por uma cidade. Em Ainda Orangotangos, é a cidade de Porto Alegre. Alucinados circula pelo Rio de Janeiro, Amigos de Risco pelo Recife, Sábado à Noite por Fortaleza. São obras onde o estar naquele espaço é questão fundamental para o filme e fator determinante das situações retratadas.
Também foi notável a presença de filmes de recusa às organizações, sem totalizar demais as situações. Alguns compartilham com seus personagens essa crise da percepção, transformando a narrativa e a dramaturgia em elaborações de sentidos rarefeitos, que procuram a autonomia dos fragmentos e a atenção para a experiência evidenciada. Pode-se perceber ainda a recorrência do plano-seqüência em alguns filmes: a câmera que caminha por Porto Alegre em Ainda Orangotango, que olha para alguns locais de Fortaleza em Sábado à Noite, que fixa-se nos ambientes de uma família em O Grão, que circula atrás de sua protagonista por diferentes ambientes em Meu Nome é Dindi.
De maneira geral, essas foram as principais características que me chamaram a atenção na programação deste ano. Fato é que há aí uma novíssima geração de promissores cineastas que estão dando as costas para o atual modelo de produção (dos editais e leis de incentivo) e estão fazendo filmes urgentes, preciosos, arriscados e belíssimos. Pode estar saindo daí a solução para a atual encruzilhada na qual o cinema brasileio chegou com esse modelo falido de financiamento. Resta cruzar os dedos e acompanhar atentamente a carreira desses diretores.
Para mais detalhes sobre a programação deste ano, vale dar uma olhada no site da mostra: