26.4.07

Vermelho Como o Céu

Rosso Come il Cielo, de Cristiano Bortone, Itália, 2006 - Cabine

Assim como Shyamalan em A Dama na Água, Cristiano Bortone faz com Vermelho Como o Céu sua profissão de fé no poder transformador da ficção, da fantasia e da imaginação. Estamos, entretanto, num terreno bastante distante do de Shyamalan, que assumiu e explicitou na própria estrutura de seu filme o processo de construção da narrativa. Bortone não busca confrontar o público, mas arrebatá-lo, e para isso trabalha seu filme numa chave clássica: a do melodrama baseado em fatos reais.
Se na maior parte do tempo Bortone conseguiu escapar das armadilhas inerentes ao melodrama (como um certo sentimentalismo exacerbado típico desse tipo de enredo), Vermelho Como o Céu acaba por pecar em sua outra faceta: a do filme baseado em fatos reais.
É sobre essa preocupação excessiva em retratar essa "realidade" na qual se baseia - o que acaba por prejudicar o filme que, ainda assim, consegue atingir um belo e raro resultado em terreno tão pantanosoa - de que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a crítica do filme em:

20.4.07

Inferno

L'Enfer, de Danis Tanovic, França/Itália/Bélgica/Japão, 2005 - Mostra SP

Inferno é a segunda parte da trilogia deixada pelo mestre polonês Krzysztof Kieslowski antes de sua morte em 1996. Enquanto a primeira parte, Paraíso, foi realizada em 2002 pelo diretor Tom Tykwer (Corra Lola Corra), esta segunda parte foi dirigida por Danis Tanovic, premiado pelo seu longa de estréia, Terra de Ninguém.
A comparação com o que teria sido o filme caso Kieslowski tivesse vivido o suficiente para dirigi-lo é inevitável e injusta. Inevitável porque o diretor polonês possuía um estilo inconfundível, marcante e contundente. Injusta pois, por mais que tente ser fiel ao espírito de Kieslowski, trata-se de um filme de Tanovic, com tudo o que isso possa trazer de positivo ou negativo.
E é preciso dizer que Tanovic mais acerta do que erra nesta sua leitura da segunda parte do roteiro livremente inspirado na obra de Dante. Inferno possui uma belíssima produção, que vai da fotografia ao cenário, passando pela trilha sonora e as interpretações precisas de Marie Gillain, Karin Viard e Emmanuelle Béart (que, curiosamente, também foi protagonista de um filme homônimo dirigido por Claude Chabrol em 1994).
O filme parte do mito grego da Medeia, de Eurípedes, para tratar de temas caros a Kieslowski – como a relação entre destino e livre arbítrio, tragédia e drama –, através da história de três mulheres e da dificuldade que encontram na relação com os homens. As histórias aparentemente desconexas vão se interligando ao longo do filme, enquanto o espectador tenta juntar as peças que lhe vão sendo entregues para formar um quadro mais amplo da dificuldade das relações humanas e da complexidade da alma feminina.
Essa estrutura em forma de quebra-cabeça e a produção minuciosa (em especial a fotografia e edição) são algumas vezes utilizadas para esconder a dificuldade que Tanovic teve em demonstrar a complexa trama de relações humanas e a espiritualidade latente nas obras de Kieslowski, mas de modo geral trata-se de um filme pungente e de direção segura. Uma bela amostra do impacto que a visão de mundo de Kieslowski ainda é capaz de causar nos dias de hoje e da qualidade que o jovem diretor bósnio Danis Tanovic possui.

12.4.07

Cineclube se aprende na escola

As deficiências e limitações do circuito exibidor brasileiro já vêm de longa data e foram tema de discussão aqui há quase um ano. Essa pequenez e falta de ousadia do circuito nacional, entretanto, não se limita à produção brasileira e acaba por deixar de fora também boa parte do que de mais interessante e inovador o cinema contemporâneo mundial tem produzido.
Por essa falta de opções num circuito cada vez mais formatado e acanhado, mesmo naquele dito “alternativo”, o que temos visto é a busca cada vez maior por alternativas não apenas de acesso aos filmes (sendo a Internet a mais difundida de todas) como também de espaços de exibição pública, sejam eles na forma de festivais, mostras ou cineclubes. E é desse último grupo, o dos cineclubes, que chegaram recentemente a meu conhecimento duas iniciativas que demonstram a demanda cada vez maior por esses espaços, não apenas para a difusão da produção contemporânea excluída do circuito, como também para projetos de formação de público.
É sobre essas duas iniciativas que levam o cineclubismo para dentro dos muros escolares de que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia o artigo em:

9.4.07

Uma Juventude Como Nenhuma Outra

Karov La Bayit, de Vardit Bilu e Dalia Hagar, Israel, 2005 - Cabine

Assim como Sofia Coppola transportou o filme de adolescente para a corte francesa do século XVIII com sua Maria Antonieta, Vardit Bilu e Dalia Hagar transpuseram esse sub-gênero para um local ainda mais inusitado: o exército israelense. Pois é nesse ambiente que encontramos o foco de Uma Juventude Como Nenhuma Outra: um grupo de garotas interessadas em rapazes, cortes de cabelo, compras e que, por um acaso, são também soldadas do governo de Israel.
Apesar de terem sido designadas para patrulhar as ruas de Jerusalém e fichar todos os palestinos que encontrassem pelo caminho, o que vemos são essas garotas passeando, conversando, comendo, paquerando. Não discutem política ou atentados, e encaram seu trabalho não como um serviço à pátria e à segurança do povo israelense, mas apenas como uma obrigação a cumprir e se livrarem. Enfim, contrariando a tradução brasileira do título, o retrato de uma juventude como qualquer outra.
Em sua simplicidade, a câmera de Uma Juventude atinge uma intimidade tal com essas garotas que consegue inserir o espectador em seu cotidiano sem dissolvê-las num despersonalizado corpo de “soldadas israelenses”. Esse apreço pelas personagens e, em especial, pela dupla protagonista – Smadar (a garota rebelde e avessa a ordens) e Mirit (sua colega de patrulha introvertida e caxias) – é o maior acerto do filme, que assim foge do panfletário e dos clichês de tantas outras obras que tratam da questão Israel-Palestina sob uma ótica exclusivamente política.
Não que a questão política não esteja presente no filme (ela se mostra em diversas cenas de atrito e tensão entre as garotas e alguns dos palestinos abordados), mas ela nunca define essas personagens, sendo apenas mais uma peça de um complexo mosaico de relações e definição de identidades. Esta tensão latente acaba, por fim, se impondo às protagonistas através de um atentado do qual são vítimas, mas mesmo aí, ao invés de enveredar para um discurso mais político e “profundo” a partir desse evento traumático, o filme acertadamente retoma o prumo e o ritmo, aprofundando-se cada vez mais no relacionamento entre as duas amigas.
Essa violência da realidade, quando ocorre no filme, está sempre no extra-campo – como no caso do atentado (quando a câmera só chega ao local segundos após o ocorrido) ou no linchamento de um árabe rebelde (cuja imagem a montagem nos nega, mas cujo som em off assombra a bela cena final) –, pois é em suas personagens que repousa sempre o olhar das duas diretoras.
Essa aparente ausência de agenda política do filme, mais do que um sintoma de alienação, é na verdade ela mesma uma postura política: a de que, por mais que o terror e a violência tentem se impor na contemporaneidade, o que realmente importa ainda são os pequenos dilemas e vicissitudes da vida humana. Uma mensagem singela, de um filme idem.

2.4.07

Ajustes nas leis de incentivo

No início deste ano, tudo indicava que teríamos mais do mesmo em termos de política pública federal para o cinema, com a aprovação de uma série de medidas que beneficiavam um certo status quo do cinema brasileiro: a prorrogação até 2016, praticamente sem nenhuma discussão ou modificação, das atuais leis de incentivo à produção audiovisual; e a extensão de certos benefícios destas leis às empresas de TV aberta e por assinatura.
Nas últimas semanas, entretanto, o governo começou a aprovar, sem grande alarde, um conjunto de pequenas medidas que, se ainda não são suficientes para sanar os problemas estruturais que entravam o crescimento do cinema brasileiro, ao menos indicam um movimento em direção a uma maior isonomia e responsabilidade no uso dos escassos recursos disponíveis para o nosso cinema.
Após o quase linchamento de que foi vítima na tentativa de implantação da Ancinav (a natimorta Agência Nacional do Cinema e Audiovisual), o Governo parece ter adotado uma nova tática para implantar as mudanças que acredita serem necessárias para o desenvolvimento do cinema nacional: comer pelas bordas, sem estardalhaço.
É sobre esses novos e pequenos ajustes nas leis de incentivo de que trato no artigo recém-publicado na Cinética.
Leia a análise em: