30.12.06

Botando ordem na casa

Depois de quase 15 anos onde, graças às leis de incentivo à cultura, diretores e produtores puderam captar orçamentos muitas vezes milionários para seus filmes sem qualquer tipo de medida ou exigência de resultados (comerciais ou artísticos), o governo federal começou a dar seus primeiros (e ainda tímidos) passos no sentido de corrigir algumas aberrações.
Iniciativas como o Prêmio Adicional de Renda, o Programa de Incentivo à Qualidade e as novas exigências para financiamentos de grande porte do edital da Petrobras são exemplos de ações que buscam vincular valores mais elevados de investimento à comprovação de resultados passados, enquanto ainda permitem que projetos mais autorais continuem se viabilizando – ações fundamentais para que possa haver uma distribuição mais justa dos recursos públicos.
É sobre essas novas formas de se trabalhar os recursos públicos distribuídos para a produção cinematográfica de que trato no artigo recém-publicado na Cinética.
Leia o artigo em:

28.12.06

As leis do cinema

Em Junho, ao ser questionado em entrevista concedida ao jornal Folha de São Paulo sobre os desequilíbrios na cadeia produtiva do cinema brasileiro (que fazem com que grande parte dos filmes aqui produzidos sejam concluídos sem que possuam garantida sua distribuição), o diretor-presidente da Agência Nacional do Cinema, Gustavo Dahl, afirmou que “isso se resolve com um projeto estratégico de nação, um projeto estratégico de audiovisual, que inclua um projeto estratégico cinematográfico”. Pois em 2006, ano em que a Ancine completa cinco anos de existência, o que vimos foram políticas públicas que nem sempre souberam encontrar o equilíbrio ideal entre a busca por um projeto estratégico para o setor e a necessidade de ações imediatas para sanar problemas urgentes e estruturais.
É justamente sobre as discussões e ações que ocorreram em 2006 no âmbito das políticas públicas para o cinema brasileiro de que trato no artigo de duas páginas publicado este mês na edição de número 6 da revista Paisà, atualmente a venda nas principais bancas de revista de São Paulo e do Rio de Janeiro.
Compre a revista e aproveite para ler o especial sobre o cinema brasileiro (do qual meu artigo faz parte), as coberturas do Festival do Rio e da Mostra de São Paulo e uma entrevista exclusiva com Kirill Mikhanovsky, diretor de Sonhos de Peixe.

26.12.06

Mongolian Ping Pong

Lü cao di, de Ning Hao, Mongólia/China, 2005 - Mostra SP

Assim como Happy Feet: O Pingüim parece ser em muitos momentos uma versão animada do documentário francês A Marcha dos Pingüins, Mongolian Ping Pong poderia passar perfeitamente como o complemento ficcional para Camelos Também Choram, o modesto documentário que em 2005 fez um grande sucesso no boca-a-boca entre os cinéfilos paulistanos, retratando a vida de uma família nômade da Mongólia que divide seu tempo entre os afazeres cotidianos e o drama causado quando um filhote de camelo é rejeitado por sua mãe, colocando em risco sua vida.
Neste filme de Ning Hao, acompanhamos a vida de uma outra família nômade mongol quando algo extraordinário os tira de seu cotidiano: a descoberta pelo filho caçula de uma bola de pingue-pongue. Como nem ele nem seus amigos jamais haviam visto uma dessas bolinhas, esse pequeno evento serve de partida para um grande despertar dessas crianças, que passam a buscar várias interpretações possíveis para aquilo que encontraram – a começar pela declaração da avó, que diz tratar-se de uma grande pérola enviada pelos espíritos do rio.
O filme parte dessa pequena brincadeira entre as crianças e do aparente isolamento e inocência dessas famílias para fazer um contraponto entre o que é exótico e o que é cotidiano nestes tempos de globalização. Tal análise, entretanto, é sempre acompanhada de uma sutil ironia (como na cena inicial onde os protagonistas posam para uma foto, em pleno deserto, diante de um cenário da praça da Paz Celestial e posteriormente, nessa mesma praça, uma outra família posa diante do cenário de um deserto), como a negar uma apologia a esse suposto primitivismo e pureza.
Como já nos mostrava Camelos Também Choram, a beleza desses povos não reside em seu isolamento da “civilização”, mas sim em seu olhar diferenciado diante do mundo que os cerca. Ning Hao nos traz esse ensinamento com um filme singelo e humano, assim como o povo que pretende retratar.

21.12.06

A Promessa

Wu ji, de Chen Kaige, China, 2005 - Mostra SP

Assim como A Dama na Água, A Promessa instaura logo no início da projeção uma narrativa fabular a partir de uma narração em off no estilo “era uma vez...” e animações que evocam uma época em que homens e deuses viviam em harmonia.
Diferentemente do filme de Shyamalan, entretanto, que parte dessa premissa para tratar de questões como a importância da fé e da narração (e da fé na narração) nos dias de hoje, Chen Kaige opta por uma obra auto-centrada, cujo único objetivo parece ser ostentar como um pavão, a cada fotograma, seu cuidado com a cenografia, seus figurinos primorosos e sua fotografia exuberante.
Esteticamente, A Promessa referencia-se a obras como O Tigre e o Dragão, Herói ou O Clã das Adagas Voadoras, mas projeta cada elemento desses filmes à enésima potência, buscando sempre um tom mais imponente, mais épico, mais emocionante. Nessa ânsia pela grandiosidade (e por justificar cada centavo dos 35 milhões de dólares de orçamento, que o tornam o filme mais caro da história do cinema chinês), o filme ultrapassa acintosamente a linha do kitsch, tornando suas batalhas algo próximo a desfiles de escola de samba (tamanha a quantidade de plumas e paetês na farda dos exércitos) e seus combates algo muitas vezes próximo a seriados como Power Rangers (pois lhe falta a graça – presente nos filmes citados – necessária para suspender a descrença do espectador e transformar o impossível em algo crível, ao menos diegeticamente).
Junte-se a isso moralismos simplistas - como o que leva à mensagem final de que “o destino pode ser mudado em nome do amor” - e temos um filme absolutamente estéril e, por que não dizer, extremamente cafona.

20.12.06

Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira

Santa Maria da Feira é uma pequena cidade portuguesa ao sul de Porto, com cerca de 13 mil habitantes e 8,4 km2 de área. Como toda pequena cidade européia, não há muito a se ver além do centro histórico e de um belíssimo castelo.
Pois é desse cenário inusitado que surgiu uma iniciativa das mais interessantes: um festival de cinema luso-brasileiro, a atrair e propor o diálogo entre duas cinematografias que, embora aproximadas pela língua em comum, ainda permanecem como duas estranhas desconhecidas (salvo as sempre raras exceções que, de ambos os lados e de tempos em tempos, conseguem de alguma forma cruzar o Atlântico).
Chegando este ano à sua 10ª edição, o Festival de Santa Maria da Feira conseguiu atingir um porte interessante: é grande o bastante para atrair tanto nomes consagrados quanto promissores de ambos os países, enquanto, ao mesmo tempo, ainda é pequeno o suficiente para permitir que esse encontro se dê de uma maneira descontraída, onde o intercâmbio de idéias e experiências se sobressaem a eventuais regionalismos ou preconceitos.
Na primeira semana de dezembro, fui convidado pela Cinética para realizar a cobertura do festival, acompanhando seus oito dias de programação e relatando aos nossos leitores o clima e os filmes do festival. O resultado disso pode ser encontrato nas páginas virtuais da revista:

13.12.06

Cinefilia Portenha

Um pequeno teste para o leitor: em que cidade do mundo é possível encontrar salas de cinema dedicadas exclusivamente à produção nacional? Uma cidade onde filmes como Mal dos Trópicos, Tarnation e Hamaca Paraguaya são lançados comercialmente (sendo o último lançado não apenas com mais de uma cópia, como dividindo espaço em dois multiplexes com filmes como Torres Gêmeas)? Onde os três principais museus da cidade exercem sua função sócio-cultural e possuem salas de cinema com uma programação diferenciada? Uma cidade que publica há 15 anos, ininterruptamente, uma revista dedicada exclusivamente ao cinema, que não apenas discute como define os rumos da cinematografia nacional? Onde os escritos dos grandes teóricos do cinema podem ser encontrados facilmente, em boas edições, em qualquer livraria e a preços acessíveis? Uma cidade onde a produção cinematográfica é tão efervescente que você pode esbarrar, em um mesmo dia, em mais de um set de filmagem ao caminhar por suas ruas? Se o leitor respondeu Paris, pode não estar errado, mas certamente se surpreenderá ao saber que, a aproximadamente três horas de vôo de São Paulo, poderá encontrar uma outra cidade cuja paixão pelo cinema é capaz de deixar qualquer cinéfilo brasileiro de boca aberta: Buenos Aires.
Após a Mostra de Cinema de São Paulo, resolvi tirar merecidas férias e aportei na capital argentina. O que não esperava era que, ao invés de descansar a mente e os olhos, como planejado, após uma maratona de mais de 40 filmes, fosse mergulhar ainda mais profundamente no cinema. Embora já soubesse dessa paixão de nossos vizinhos, não esperava encontrá-la de maneira tão forte e onipresente.
É sobre essa minha experiência com a paixão argentina pelo cinema e sobre como ela pode servir de modelo para iniciativas semelhantes no Brasil de que trato no artigo recém-publicado na Cinética.
Leia o artigo em:

10.12.06

Olhar Estrangeiro

Olhar Estrangeiro, de Lúcia Murat, Brasil, 2005 - Cabine

Em Olhar Estrangeiro, Lúcia Murat se propõe a inverter a relação entre observado e observador e busca analisar o que leva diretores e produtores estrangeiros a reproduzir infindáveis clichês e estereótipos em seus filmes sobre o Brasil. O que a diretora carioca não parece perceber é que, nesse processo, ela não apenas cai no mesmo erro que diagnostica em seu trato com os entrevistados, como acaba por reforçar alguns dos estereótipos que critica.
É sobre essas contradições na própria estrutura do documentário (e de como elas refletem uma questão maior presente na cultura brasileira) de que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a crítica do filme em:

8.12.06

O Crocodilo

Il Caimano, de Nanni Moretti, Itália, 2006 - Mostra SP

Comparar O Crocodilo a Fahrenheit 11 de Setembro em função do ataque frontal a Bush (no caso de Moore) e Berlusconi (no filme de Moretti) semanas antes das eleições é, no mínimo, negar o próprio projeto apresentado pelo diretor italiano. O Crocodilo não é, em última instância, uma obra preponderantemente panfletária, mas um filme multifacetado, uma análise muito mais ampla e crítica da sociedade italiana, construído em várias camadas que se sobrepõem ao longo da projeção: o drama familiar, a comédia à la italiana e, finalmente, a sátira política, que se embrenha por todo o enredo.
É sobre essa construção multifacetada do novo filme de Nanni Moretti de que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a crítica do filme em:

7.12.06

Happy Feet: O Pingüim

Happy Feet, de George Miller, EUA, 2006 - Cinemark Iguatemi

Para além de ser quase um remake animado de A Marcha dos Pingüins - o documentário francês que foi um enorme e inesperado sucesso de público no Brasil e no mundo -, Happy Feet: O Pingüim é na verdade quase uma versão ilustrada da Bíblia, tamanha a quantidade de referências às Escrituras contidas na estrutura e na narrativa do filme.
É sobre o forte conteúdo religioso desta animação infantil e de como ela se inscreve num movimento maior da direita religiosa norte-americana na era Bush de que trato no texto recém-publicado na Cinética.
Leia a crítica do filme em:

1.12.06

O Labirinto do Fauno

El Laberinto del Fauno, de Guillermo del Toro, México/Espanha, 2006 - Mostra SP

Em sua origem, os contos de fadas nada tinham de infantil. Eram relatos orais que tratavam de antigos e profundos medos humanos, e não raro incluíam em suas narrativas temas como estupro, assassinato e canibalismo. Foi só a partir do século XVII que, devidamente suavizados e adaptados, os contos de fada tomaram a forma de literatura infantil sob o qual os conhecemos hoje.
Pois é nessa natureza hedionda dos primeiros contos de fadas que Del Toro foi buscar a ambientação para sua fábula de horror sobre a dualidade da condição humana: dor e beleza, morte e salvação, brutalidade e inocência.
O Labirinto do Fauno se passa na Espanha de 1944, ou seja, quatro anos após o fim da guerra civil que levou Franco e o fascismo ao poder. A opção por localizar sua história já dentro do período fascista mostra que, para o diretor, a fantasia não é uma forma de alienação que permitiria a fuga da realidade – e a escolha do retrato da protagonista morta como imagem primeira do filme apenas reforça o peso dessa realidade sobre a narrativa –, mas sim a única resposta possível diante dos horrores da guerra.
A chave para o filme está na personagem de Ofélia, não por acaso o nome da trágica personagem de Hamlet. Órfã de pai, Ofélia se vê subitamente instalada em pleno seio do fascismo: sua mãe espera um filho de Vidal, capitão de Franco responsável por combater as milícias que continuam a lutar contra o governo, e por isso muda-se com ela para uma fazenda transformada em quartel-general do exército franquista.
Diante das atrocidades cometidas pelo Capitão Vidal e da gravidez de risco pela qual passa sua mãe, é apenas na fantasia que a pequena Ofélia encontra espaço para exercer sua inocência infantil. Instigada por um louva-a-deus que toma a forma de uma fada, Ofélia aventura-se por um labirinto existente na fazenda que a leva ao encontro de um fauno, figura mitológica que revela que ela é, na verdade, a reencarnação de uma princesa do mundo subterrâneo, a ligação perdida entre um mundo de fantasias e o dos homens – temática comum a vários filmes recentes, como A Dama na Água e A Promessa.
É a partir deste ponto que Del Toro revela seu profundo conhecimento da estrutura dos contos de fadas. Como grande parte dos heróis desses contos, também Ofélia precisará percorrer um verdadeiro ritual de passagem para a vida adulta – remetendo a obras como Alice no País das Maravilhas e A Viagem de Chihiro – e precisará superar três desafios impostos pelo fauno para poder finalmente reencontrar sua verdadeira identidade, mágica e imortal. Assim começa a jornada de Ofélia em O Labirinto do Fauno, que respeita a estrutura de quatro etapas fundamentais do conto de fadas.
A primeira delas é a travessia, passagem do herói para um mundo diferente, repleto de magia e criaturas estranhas. No filme, essa etapa está representada pelo instante em que Ofélia, ainda a caminho de seu novo lar, restaura uma pequena estátua à beira da estrada e, com isso, abre uma brecha para esse antigo mundo mágico e seus seres.
Realizada essa primeira etapa, os contos de fadas prosseguem para o encontro do herói com uma figura maléfica, que será seu oponente na concretização de seus objetivos. Ironicamente, Del Toro não coloca essa figura arquétipa em nenhum dos seres mitológicos com os quais Ofélia se encontra, mas sim em seu próprio padrasto, personificação absoluta do mal representado pelo fascismo.
A terceira etapa é a conquista. É aqui que o diretor deixa claro seu retrato realista, apesar de todo o mundo de fantasias que criou. Na estrutura tradicional dos contos de fadas, este seria o momento em que o herói inicia numa batalha de vida ou morte contra seu opositor, que inevitavelmente levaria à morte deste. Tal conclusão, entretanto, seria inviável dentro do contexto em que o filme se instala, apontando para uma saída naïf e escapista. O único final possível – já prenunciado na primeira cena do filme – é a morte da inocência.
Apesar disso, ao manter-se fiel à última etapa da estrutura tradicional dos contos de fada – a celebração, onde o herói é recompensado e exaltado por sua vitória –, Del Toro trás uma resignificação daquele instante, uma profissão de fé do diretor no poder da fantasia, da inocência e da beleza contra os horrores que o ser humano é capaz de perpetrar. Por trás de seu horror gótico, O Labirinto do Fauno se revela, ao final, uma bela e singela fábula humanista.